sexta-feira, dezembro 19

Virgindade

(Paul Gauguin - The Loss of Virginity)

Lêem-se aquelas histórias de núpcias em países remotos e sociedades bárbaras, a orgulhosa mãe da jovem esposa a pendurar na janela o lençol manchado de sangue, dando assim prova da virgindade nessa noite perdida.
Além de que vai diminuindo o interesse e a valor do símbolo, e a juventude das sociedades ditas civilizadas há muito se dá conta dos benefícios da promiscuidade, certo é que na vida, no cinema e na literatura, a problemática da virgindade e dos escolhos sentimentais e carnais da primeira cópula pouco interesse desperta.
Mas ouve-se de vez em quando uma história de núpcias burlescas, de desleixo, de bruteza, desencontros que acabam em tragédia. A que segue foi-me confidenciada há uma vida, estava esquecida, veio à tona ao ler as dramáticas núpcias que John Edward Williams narra em Stoner (*)
Esse par que conheci era estranhamente desigual. Ele, espalhafatoso, fanfarrão, indiferente ao resultado da sua jactância, enquanto ela, retraída por natureza e educação, era o oposto.
A noite de núpcias foi um drama: um a julgar-se com direitos de senhor, o outro defendendo-se da violência do assalto. A segunda noite foi idêntica. À terceira foram dormir em quartos separados, e assim continuariam até ao divórcio dois anos depois.
Essa parte tinha-ma ele contado mais tarde, de novo casado, infeliz, perplexo de que também o segundo casamento lhe corresse mal.
O que muito depois ouvi, e ele nunca viria a saber, é que temendo a violência de ser desflorada, ela pouco tempo antes tinha pedido a um cirurgião amigo que lhe cortasse o hímen, só então se dando conta que o noivo iria suspeitar que não fosse virgem. Tempo para explicar não tinha tido, e nessa noite era tarde demais.

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(*) Stoner é um livro a não perder.