Mal vai àquele a quem o mundo não surpreende. A esse respeito devo dizer que tenho sido um bafejado da sorte, pois raro é o dia em que não me maravilho com o inesperado.
Assim, ao abrir dias atrás a revista do jornal holandês de Volkskrant, e iludido pela fotografia da capa, mal cuidava eu da surpresa que me esperava.
Para quem não estiver ao corrente saiba-se que vivo entre os holandeses há mais de meio século. Como todos os povos, gozam eles de várias famas, boas e más, umas e outras nem sempre merecidas. Eu próprio confesso não ser isento de preconceitos, sendo um dos meus favoritos o de que, de modo muito geral, o holandês é o oposto do gourmet.
Nos anos mais recentes nota-se certa evolução nos hábitos. O país inteiro envaidece-se com o facto de, desde há pouco, nele haver dois restaurantes a que o Michelin atribuiu três estrelas, o que evidentemente nada diz sobre a monotonia culinária dos Países Baixos.
Pondo de lado as considerações, entremos no que interessa. Thérèse Boer (36), fotografada na capa, e o marido, são proprietários de um dos dois restaurantes citados. Ele chefe famoso, ela como anfitriã famosa também. Levam a vida que se espera dos ricos e famosos, cada um com o seu Porsche e a sua Harley-Davidson, viagens assim, festas assado…
Li a entrevista por alto, achei Thérèse Boer simpática. Dispensaria os detalhes sobre a sua vida sexual, mas ri com a cena (muito holandesa) do casal que, pelo menos uma vez, queria jantar num restaurante de três estrelas. Quando chegou a conta abriram um saco onde traziam o mealheiro e, calmamente, passaram meia hora a contar moedas. Thérèse, good sport, ofereceu-lhes o champanhe.
Mas logo depois abriu-se-me a boca. Nos últimos meses Thérèse tem notado, e o marido confirma, um bizarro fenómeno: o número crescente de pessoas que, sofrendo de doenças terminais, têm como último desejo um jantar no restaurante De Librije, em Zwolle.
Vem a família, vem o moribundo, comem, degustam, e depois choram eles, chora a Thérèse… “São momentos de muita emoção!” acrescenta ela na entrevista.
Não duvido. Para mim foi grande surpresa, esta versão moderna, mas pelos jeitos já corrente, de “A Última Ceia” .
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PS. Apropriadamente, De Librije é um arcaísmo com o significado de velha igreja.
Assim, ao abrir dias atrás a revista do jornal holandês de Volkskrant, e iludido pela fotografia da capa, mal cuidava eu da surpresa que me esperava.
Para quem não estiver ao corrente saiba-se que vivo entre os holandeses há mais de meio século. Como todos os povos, gozam eles de várias famas, boas e más, umas e outras nem sempre merecidas. Eu próprio confesso não ser isento de preconceitos, sendo um dos meus favoritos o de que, de modo muito geral, o holandês é o oposto do gourmet.
Nos anos mais recentes nota-se certa evolução nos hábitos. O país inteiro envaidece-se com o facto de, desde há pouco, nele haver dois restaurantes a que o Michelin atribuiu três estrelas, o que evidentemente nada diz sobre a monotonia culinária dos Países Baixos.
Pondo de lado as considerações, entremos no que interessa. Thérèse Boer (36), fotografada na capa, e o marido, são proprietários de um dos dois restaurantes citados. Ele chefe famoso, ela como anfitriã famosa também. Levam a vida que se espera dos ricos e famosos, cada um com o seu Porsche e a sua Harley-Davidson, viagens assim, festas assado…
Li a entrevista por alto, achei Thérèse Boer simpática. Dispensaria os detalhes sobre a sua vida sexual, mas ri com a cena (muito holandesa) do casal que, pelo menos uma vez, queria jantar num restaurante de três estrelas. Quando chegou a conta abriram um saco onde traziam o mealheiro e, calmamente, passaram meia hora a contar moedas. Thérèse, good sport, ofereceu-lhes o champanhe.
Mas logo depois abriu-se-me a boca. Nos últimos meses Thérèse tem notado, e o marido confirma, um bizarro fenómeno: o número crescente de pessoas que, sofrendo de doenças terminais, têm como último desejo um jantar no restaurante De Librije, em Zwolle.
Vem a família, vem o moribundo, comem, degustam, e depois choram eles, chora a Thérèse… “São momentos de muita emoção!” acrescenta ela na entrevista.
Não duvido. Para mim foi grande surpresa, esta versão moderna, mas pelos jeitos já corrente, de “A Última Ceia” .
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PS. Apropriadamente, De Librije é um arcaísmo com o significado de velha igreja.