quarta-feira, fevereiro 20

Viana do Castelo

Caminho pela cidade com um sentimento de desconforto, pois sem ser nela totalmente um estranho, deixei de lhe per­tencer. Sou o passante que deambula pelo cenário da sua juventude e revê com outros olhos os lugares que a marcaram.
Desper­tan­do negru­mes, surpreso ao dar-me conta de como foram profundas, mas inúteis, as dores de então, passageiras as alegrias, parali­santes aqueles sonhos em que as dimensões do mundo eram cons­tantes e harmoni­osas. Terei eu de facto sido assim?
Melancólico, deixo que o passa­do desfile em cenas que não são de vida vivida, mas painé­is desbotados num panora­ma de ar­tifício.
Não me inte­ressam as ruas, as gen­tes, as casas, as vibrações do dia soa­lhei­ro. Vou ensimesma­do, desco­brindo que nem a experiência dos anos me ajuda­rá a conci­liar as vozes desen­contradas que, dentro de mim, ora animam a agir, ora me censu­ram os actos, as palavras, os desejos. Que me culpam de não ser capaz de, duma vez para sempre, sacudir os entra­ves da memór­ia. Me acusam de fraqueza, por retornar aos lugares onde sofri, com um impulso tão irreprimível como o que, dizem, leva os assassinos a rever o lugar onde, ao matar, também de certo modo morrem.