segunda-feira, fevereiro 5

Cigano

Poucos haverá de feições assim aristocráticas e um olhar que parece indiferente à hostilidade do mundo. A roupa também o não denuncia, porque da que lhe dão por esmola nas casas abastadas, ele escolhe infalivelmente a que, pela cor e o corte, o tornam quase elegante. Usa chapéu de aba larga debruado a couro, boas botas.
Mau grado tudo isso José Lindo é inegavelmente cigano, e o mais trágico de todos, pois vagueia sozinho desde que muitos anos atrás, por razões que nunca disse, a sua família e a tribo o expulsaram. Na nossa aldeia pára às semanas, talvez porque não precise de ir de porta em porta a pedir esmola, pois quando chega a hora há sempre uma mulher que lhe leva um prato de comida ao banco ou à soleira onde ele se senta amodorrado.
Dorme onde melhor lhe calha, ao ar livre, debaixo dos alpendres, nos palheiros; se o tempo fica mau abriga-se numa casa abandonada e acende lá uma fogueira.
A velhice e as agruras devem-no ter transtornado, com certeza a razão porque deixou de fazer os cestos com que ganhava alguma coisa. E pouco fala. Tem alturas em que nem sequer responde a quem lhe dá as boas horas.