São três da tarde e faço compras na vila. Ao acaso das minhas voltas passo por um desses cafés penumbrosos, tristonhos, daqueles que se pergunta a gente como conseguem sobreviver. Olho para o interior no instante da passagem. A cena grava-se-me indelével, continua a mortificar-me.
Ele é o único cliente e está sentado a uma mesa no meio da sala, meio de costas para a rua, na mão o copo de cerveja que leva à boca. Atrás do balcão o proprietário enche outro copo.
Mais tarde hei-de vê-lo na praça, num caminhar incerto, o seu rosto com a cor arroxeada dos alcoólicos inveterados. Sob o braço segura a pasta com que se dá a ilusão de que nela guarda os processos que irá levar ao tribunal.
Foi brilhante, mas agora é advogado só de nome. Causas não tem. Quem o conhece acena de longe, evita a sua companhia. Solitário, violento, vai de café para café, de copo para copo, até que ao fim do dia, comatoso, se arrasta para casa. Triste sina para um amigo de quem tanto se esperava, e aos quarenta e oito anos se tornou um farrapo humano, um fantasma de si mesmo.