sábado, agosto 31

Leituras


Caro B.S. F.,

Não será todos os dias, mas sei que, com atenção, lês Wittgenstein, São Tomás, Confúcio ou Abū ʿAlī al-Ḥusayn ibn ʿAbd Allāh ibn Sīnā, que também conhecemos por Avicena. Por isso te invejo, pois o que aprendi mal dá para seguir Platão ou John Locke, o pensador do verdadeiro ideal democrático, e que tanto contribuiu para impedir a criação de uma aristocracia na sociedade americana.
Outros, menos favorecidos, encontram benefício na leitura de policiais e histórias de amor, na Science Fiction de Asimov, no horror de Stephen King, nas produções da Chicklit, nos imbróglios de José Rodrigues dos Santos, e até relendo As Pupilas do Senhor Reitor ou soletrando o Borda d'Água.
Grande coisa, pois, é a leitura, mas também de variadas consequências, implicando por vezes nas relações, ou emitindo complicados sinais de antipatia, de descrença e aborrecimento. Acontece ao acaso das conversas, por vezes a encher um vazio ou mudando para assunto menos delicado, mas bom seria se evitássemos informar acerca das preferências e entusiasmos sobre o que lemos.
Sabendo-te assim íntimo na leitura de espíritos superiores, tendo-te tantas vezes ouvido citar Descartes, Aristóteles, Freud e outros génios, com a segurança que só a competência empresta, imagina que, pedindo mais um café, me sussurras quanto nos últimas dias te tem absorvido a leitura de, por exemplo, um romance de Óttar M. Norðfjörð.
Como sou razoavelmente capaz de ocultar o que sinto não arregalarei os olhos, nada nas minhas feições trairá espanto ou surpresa. Mas no fundo vou-me perguntar que sonhos escondes, que fraquezas e temores desejas que eu descubra através dessa retorcida prosa, onde é questão de nevoeiros e entranhas furadas, garrotes, quedas mortais nas brechas do Tungnafellsjökull, dentes cravados até ao sangue em gargantas alvas.
Essa é a tragédia. Não quero descobrir quem realmente és, nem sequer desejo que, pela retorcida indicação de uma leitura, me acenes um vício teu, um medo, um recalque. Disso te peço que dês conta: esconde as tuas leituras, fala-me apenas daquelas em que não corres o risco de te mostrar na fragilidade da nudez.

sexta-feira, agosto 30

O amor aos animais

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De reputado carinho pela bicharia - ressalvam-se os milhões de galinhas e porcos criados em campos de concentração - os holandeses são sinceramente devotados aos animais domésticos e a tudo que nos prados, florestas e parques rasteja ou corre.
Houve tempo em que meia dúzia de sapos esmagados numa estrada eram notícia de primeira página, o atropelamento de uma família de gansos causa de emoção nacional, as imagens em horário nobre e primeiro plano na televisão.
Assim, anos atrás, com bandeiras, protestos, comícios e slogans, criou-se um vasto movimento para, à semelhança do que se faz com as crianças, garantir aos bichos segurança de movimento, resultando daí, no país inteiro, a construção de um sem número de passagens, túneis e viaductos, permitindo à bicharada atravessar a salvo as "autoestradas assassinas".
Felizmente, a Holanda é também o país onde em extremo tudo se mede, pesa, conta, calcula e analisa, de modo que, depois de sérias pesquisas e minuciosas contagens de cadáveres, se chegou à conclusão de que as centenas de milhões de euros gastas em "ecoductos", pontes, túneis e passagens, tinham sido de efeito nulo sobre a mortandade dos bichos.
No equivalente da letra miudinha das apólices, escreveu-se também que essa febre de protecção dos "nossos irmãos" pouco teve a ver com eles, resultou, sim, de uma bem estudada estratégia do lóbi do cimento e das empreitadas, de par com a astuciosa manipulação dos "amigos" da Natureza e da compaixão pública.
…..
PS. "Ecoductos" há-os em quase todos os países que se podem permitir o luxo, mas até agora, que eu saiba, só na Holanda se chegou à conclusão da sua inutilidade e da existência de interesses por detrás de tanta "dedicação e carinho".
 

quarta-feira, agosto 28

A natureza do lacrau

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Calo ganha-se nos pés, incómodo do muito que andamos. Criam-no nas mãos os que com elas trabalham. Calo doloroso ganha-se na alma, aquela parte de nós onde constantemente embate a malvadez alheia, a malquerença, a inveja, as mil gotas de veneno que tantos cordialmente dispensam, uns com o ar de displicente superioridade, outros mostrando a sanha de cão que guarda osso.
Dá-nos Deus possibilidades imensas, campo de sobra, um Sol que a todos aquece, mas nem isso aquieta os mesquinhos, roídos de ciúme pela serenidade alheia, o pão que o outro come e a alegria que mostra, o descanso que ganhou. Morder, odiar, achincalhar, torna-se-lhes segunda natureza, vivem nesse pântano como peixe na água, iludidos pelo poder que se inventam, as certezas que se dão, a triste crença de se verem de tribuna e que uma multidão os aplaude.
 

terça-feira, agosto 27

"Taraf de Haïdouks"




Infausto aquele que desconhece o arrebatamento da música, a emoção causada pelo harmonioso arranjo dos sons, o mistério que, pressentido na melodia, nos faz em simultâneo pequeninos, humildes e felizes.
Bach ou Amália, tango, Tchaikovsky , klezmer, flauta dos Andes, órgão, realejo, cante jondo, cavaquinho, da mais humilde à solene, ao gosto ou capacidade de cada um, toda a música tem feitiço, eleva, transtorna, chama lágrimas que derramamos com a surpresa de nos descobrirmos outros, possuídos por algo que se nos entranha e transcende.
Por vezes, tomado de paixão, o músico acrescenta um sentimento indescritível em que se fundem a genuinidade, o talento e a dor da condição humana..
E nós, quase temendo o que ao ouvir sentimos, deixamo-nos arrastar, entregamo-nos, conhecemos a indizível alegria de receber, de descobrir aquela capacidade de espanto que julgávamos ter perdido.

Não fiz conta ao tempo que noites atrás passei a ouvir a música desta banda que por acaso descobri. Extraordinário violinista, Nicolae Neacsu.

segunda-feira, agosto 26

O Arquivo Secreto do Vaticano


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Bizarro é. Inexplicável também. Fosse eu, como Luís Miguel Rocha, capaz no género, aproveitava isto e metia-me a escrever um romance onde figurariam cardeais, um ou dois papas, a família Borghese,  Napoleão, o filho de James Bond e a neta de Ursula Andress, the ultimate Bond girl, repetindo a cena da avó a sair do mar.
Deve ter sido há dois anos que da Amazon UK mandei vir este livro. Atrasado nas leituras só ontem o comecei, e chegado à página 57, a meio do capítulo segundo, Templars, Illuminati and Freemasons, dou com um papelinho cor-de-rosa, recibo da leitura  que alguém fez de documentos sobre a família Borghese, no Arquivo Secreto do Vaticano, em 17 de Dezembro de 1948.

Quem o terá posto ali? Porque razão? Quando? Haverá um templário ou um illuminato a trabalhar humildemente nos armazéns da Amazon? Mas com que fim? Estará isto ligado aos mistérios da crise?




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