domingo, junho 2

Gothic


Cada um vive a sua vida, que remédio, mas são tantos aqueles a quem a própria não basta, que se deitam a existir em permanência num palco fictício, na ilusão de que a persona que “vestem” se torna a verdadeira. Os casos graves recolhem ao manicómio, os de tipo corrente passam por nós na rua, mas são tantos que a atenção se embota. A mim atraem aqueles a que chamarei intermédios, os que em vários aspectos ultrapassam o comezinho, mas de qualquer modo ficam aquém do internamento.
Assim, ontem me vi-me lado a lado com um extraordinário par e, perfeito basbaque, detive-me um instante e apertei os queixos, sentindo que se me abria a boca.
Eram ambos grandes, gordos, ele mais para o gigante, ela maneirinha nos redondos. Tudo de um preto retinto, da  artística gaforina às Doc Martens, o elaborado vestuário, as sobrancelhas, as tatuagens na face e na testa.
Avançavam a passo, que rapidez não lha permitiam a obesidade, a estatura e o peso dos metais com que se adornavam. Mais Gothic não poderiam ser, durante minutos caminhei atrás deles, fascinado pela aparição.
Perdi-me depois a imaginar como será a intimidade de semelhante gente, e concluí que prefiro encontrá-los na rua, do que surpreendê-los em casa despidos dos atributos.