segunda-feira, junho 17

Família

Na minha família sou o único que fala Português. Com a mulher, filhas, genros, netos, falo outra língua, e o que eles de mim lêem é em tradução. Há depois o facto de que em Portugal só me resta um ou outro vago parente, daqueles em quarta ou quinta geração, prestos a apertar os laços quando me vêem o nome no jornal. De modo que, quando partir, só em terra estranha deixarei semente, e por cá apenas a ossada, que espero enterrem no mesmo cemitério onde estão as daqueles donde venho. Também é provável que durante algum tempo, aqui e ali se veja um livro meu, e possivelmente ficará lembrança num ou noutro que me deu amizade.
A quem tem vida mais conforme ao geral, parecerá isto pouco, bizarro, talvez mesmo soturno, e certamente estranhará ver-me resignado com tão particular destino.
Resignado? O caso é que, além de satisfeito, raro passa dia que não me regozije com ele.
Poderia ter sido melhor? Excepcional? Um dos que fica nos anais? Talvez. Mas provavelmente em nenhum desses encontraria a menina "de ao pé de Pombal", que me foi visitar na Feira do Livro, em Lisboa e, os olhos brilhantes de entusiasmo, disse palavras que não esqueço. Ou o Vítor, chegado de tão longe para me falar um minuto. O senhor que, emocionado, me agradeceu ter escrito Montedor, que lera em 1968 e era a história dos seus sofrimentos e desilusões. O jovem que me desejou felicidades.
Surpreso e grato, encontro nesses a família que cá não tinha.