segunda-feira, abril 3

Proíbo-me de confessar

Coisa de pouca monta: desenhar um retrato com palavras. Coisa de porte: ter sonhos e saber que, por todas as razões e mais uma, é vedado sonhá-los. Frustração grande, a das palavras que nunca se dirão, a dos olhares que não se poderão trocar, a do desejo silencioso e secreto. Que a vida constrói dessas inexoráveis masmorras onde somos carcereiro e condenado.
Escrevo isto como que separado do meu cérebro, que esse, como tantas vezes acontece, disparou para um montão de impressões e pensamentos que agora recordo, mas devia esquecer.
Salva-me a incapacidade para a poesia. Tivesse nascido outro, neste fim do dia de certeza estava a pôr em verso livre o que em prosa me proíbo de confessar.

 

domingo, abril 2

A pesca do bacalhau


Gloucester, no Massachusetts, o mais antigo porto de pesca dos Estados Unidos, terra de muitas gerações de sicilianos e açoreanos. É lá popular a nossa linguiça e, quando ainda o havia, pescava-se o bacalhau. Isto e mais li eu em The Last Fish Tale.

Porque os conheci na infância, das vezes que meu pai me levou a bordo dos lugres bacalheiros, interessaram-me em particular as histórias dramáticas dos pescadores que se metiam ao mar nos dóris. E logo me tomou a tristeza que sempre me ataca com o confronto da nossa secular miséria. Os pescadores “americanos” de Gloucester iam aos pares: um homem a remar, o outro a pescar, e mesmo assim a tarefa era de perigo de vida. Os dos lugres de Aveiro, Ílhavo, do Porto e da Figueira, pescavam sozinhos, sofriam, gelavam e morriam sozinhos, poucos terão sido os que ao longo dos séculos ganharam mais do que para comer.

Fechei o livro, e com saudade dos que na infância via atracados ao Cais da Ribeira, fui-me ao Google em busca de dóris e bacalhoeiros. Encontrei lá esta história, também muito portuguesa no que tem de desastrado e rocambolesco.


 



sábado, abril 1

Chique q b

“Falo, é claro, das viagens mais imersivas, onde se contacta com a cultura e o modo de vida de cada local .... o fosso que me separa desses outros é tão grande que sou olhada como se falasse uma língua diferente, talvez alienígena.”

Ao ler este texto num blog que costumo frequentar, concluí que estou realmente desfasado no tempo, no mundo que me rodeia, e no uso da língua portuguesa.

“Viagens mais imersivas” serão as da pesca submarina? “Cada local”: sítio? ou pessoa como agora é chic? “Alienígena”: estrangeira já não se usa?