domingo, junho 2

Mais uma despedida

 

Muito cansa o fingimento, mas ai daquele que exausto, ou cedendo à irritação, um instante se descuida e deixa de participar na comédia.

Vivendo na cidade sobram as escapatórias, mas eu neste momento, cercado por uma escassa centena de vizinhos, todos conhecidos a vida inteira, todos boa gente, muitos deles com laços de parentesco, o simples facto de de sair à rua, por exemplo quando o padeiro chega, implica ouvir um não parar de desabafos, motivos de tratamento, aflições várias. Sempre com inesperadas modernices de vocabulário, pois mesmo os mais simples falam de cirurgias em vez das velhas operações, já não lhes dói a cabeça têm cefaleias, foram à farmácia aviar a medicação...

Se por malícia, algumas vezes a provocar, pergunto se já não se diz remédios, encaram-me com o modo de piedade que merece o infeliz que, lá longe na estranja, não acompanha a civilização. E sorrio, faço o melhor que posso para dar mostra de interesse, fique claro como as novidades me espantam, o gosto que tenho em ser assim posto ao corrente.

Por má sorte, numa ou outra ocasião deixo-me arrastar pela impaciência, o mau humor leva a melhor. Assim anteontem, no que parecia o mais corriqueiro bate-papo, estava com o Abílio sentado no muro do adro. Eu a ouvir em francês as suas recordações de quarenta anos em Toulouse, o que ainda lá possui, os nomes e “métiers” dos amigos a quem sempre telefona nos aniversários e na passagem do ano.

A certa altura, surdo ou distraído, ao dar-se conta que eu lhe respondia na mesma língua teve como que um sobressalto, mudou de assunto:

- Sabes tu que o Zé Foito, o que está em São Paulo, vem cá em Agosto? É o genro que o traz, um tal de Fonseca.

“Um tal de Fonseca” - na mais remota das aldeias transmontanas. Adeus língua de um tal de Camões.

 

 

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