terça-feira, julho 11

Um mundo de coisas inúteis

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De um modo muito especial, talvez por ter nascido quase logo no começo do século XX, um tempo de penúria, simplicidade e escassez, a vida continua a ser para mim uma de involuntário pasmo, pois embora me considere homem deste tempo, e faça o possível para me manter ao corrente, uma parte do que sou vive no passado. Não por nostalgia, porque mesmo querendo seria incapaz de alindar o antigamente, mas pelo sem-número de surpresas, nem todas agradáveis, a que obriga o confronto com a modernidade, e isso a um ritmo que o cérebro nem sempre consegue acompanhar.
Sinto-me acanhado quando lembro como me custou ter de substituir a minha velha  máquina de escrever por um modelo eléctrico. Quanto mais o bem intencionado vendedor insistia nas vantagens, pois além de eficiente e rápida me pouparia os dedos, mais eu desconfiava dos argumentos. O mesmo me aconteceria anos depois com o primeiro computador, pois embora o anunciassem como uma maravilha, causou-me espécie que fosse necessário comprar um aparelho à parte – uma impressora! – caso se desejasse ter no papel o que ele  mostrava no ecrã. Era aquilo um avanço da tecnologia? Claro que era, e imenso, eu é que ia a passo de boi, enquanto o resto do mundo voava de jacto.
Com o passar dos anos fui-me acomodando ao progresso, mais empurrado pelas  necessidades do dia-a-dia, do que por realmente sentir entusiasmo por mudanças que, demasiado rápidas, as mais das vezes me confundem. Confunde-me também -  dirão que é um evidente sinal de velhice - a estonteante variedade de objectos, instrumentos, quinquilharia e aparelhos supostamente indispensáveis para o nosso conforto, ou apenas para satisfazer a muito humana necessidade de possuir.
Creio que deriva daí o sentimento de melancolia que  às vezes me toma quando olho o que me rodeia, ou sofro o bombardeamento dos anúncios na televisão, mostrando um sem-fim de aparelhos de que nem sempre descubro a utilidade. É então que, se estou sombrio, me pergunto: o que acontecerá às máquinas que caem em desuso? Para onde irão os rádios, as televisões, os gadgets e os frigoríficos que não se vendem? As roupas? Os computadores? Os relógios, as caldeiras, os aparelhos úteis e inúteis do nosso viver? Para onde irão?
Se fosse pesquisar de certeza o descobriria, mas prefiro adormecer embrulhado no conforto da minha ingenuidade, esquecendo que vivemos num mundo entontecido, onde longas cadeias de fábricas que produzem, se prolongam em longas cadeias de fábricas que destroem.
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Publicado na DOMINGO CM.