(Clique)
De um modo muito especial, talvez por ter nascido quase logo no começo do século XX, um tempo de penúria, simplicidade e escassez, a vida continua a ser para mim uma de involuntário pasmo, pois embora me considere homem deste tempo, e faça o possível para me manter ao corrente, uma parte do que sou vive no passado. Não por nostalgia, porque mesmo querendo seria incapaz de alindar o antigamente, mas pelo sem-número de surpresas, nem todas agradáveis, a que obriga o confronto com a modernidade, e isso a um ritmo que o cérebro nem sempre consegue acompanhar.
Sinto-me
acanhado quando lembro como me custou ter de substituir a minha velha máquina de escrever por um modelo eléctrico.
Quanto mais o bem intencionado vendedor insistia nas vantagens, pois além de
eficiente e rápida me pouparia os dedos, mais eu desconfiava dos argumentos. O
mesmo me aconteceria anos depois com o primeiro computador, pois embora o
anunciassem como uma maravilha, causou-me espécie que fosse necessário comprar
um aparelho à parte – uma impressora! – caso se desejasse ter no papel o que
ele mostrava no ecrã. Era aquilo um
avanço da tecnologia? Claro que era, e imenso, eu é que ia a passo de boi,
enquanto o resto do mundo voava de jacto.
Com o
passar dos anos fui-me acomodando ao progresso, mais empurrado pelas necessidades do dia-a-dia, do que por
realmente sentir entusiasmo por mudanças que, demasiado rápidas, as mais das
vezes me confundem. Confunde-me também -
dirão que é um evidente sinal de velhice - a estonteante variedade de
objectos, instrumentos, quinquilharia e aparelhos supostamente indispensáveis
para o nosso conforto, ou apenas para satisfazer a muito humana necessidade de possuir.
Creio que
deriva daí o sentimento de melancolia que
às vezes me toma quando olho o que me rodeia, ou sofro o bombardeamento
dos anúncios na televisão, mostrando um sem-fim de aparelhos de que nem sempre
descubro a utilidade. É então que, se estou sombrio, me pergunto: o que
acontecerá às máquinas que caem em desuso? Para onde
irão os rádios, as televisões, os gadgets e os frigoríficos que não se vendem?
As roupas? Os computadores? Os relógios, as caldeiras, os aparelhos úteis e
inúteis do nosso viver? Para onde irão?
Se fosse pesquisar de certeza o descobriria, mas prefiro
adormecer embrulhado no conforto da minha ingenuidade, esquecendo que vivemos
num mundo entontecido, onde longas cadeias de fábricas que produzem, se
prolongam em longas cadeias de fábricas que destroem....
Publicado na DOMINGO CM.