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Mexi numa pasta de arquivo, não encontrei o que procurava,
mas já que tinha as mãos na massa fui lendo, folheando, dei-me à pachorra de
ouvir conversas gravadas em cassettes há mais de trinta anos, pasmar para
fotografias desbotadas, ler correspondência que avivou amizades antigas.
Durante um bom bocado retornei aos meus cinquenta anos,
revivi aborrecimentos e alegrias, confrontei gente que desde então safara da
memória: Salvatore B., o quarentão distinto que diziam assassino a soldo;
Miguel T., sertanejo umas vezes, noutros dias carioca, vivendo de expedientes
em Lausanne; Francine, a belga que tudo sabia sobre os azulejos da Viúva Lamego;
o senhor Mateus que viera à Holanda comprar vacas leiteiras, mas descobrira o Yab Yum e
adiava o regresso; Peter M., mitómano que se dizia ucraniano e nobre, mas era
apenas grego e porteiro.
Revi-os a eles, recordei como eu então era e fechei a
pasta com alguma pena das ocasiões que não tive, do que passou, das horas que
perdi.