Pelas mil razões que motivam o nosso comportamento, o ambiente do pequeno-almoço num grande hotel é deprimente. Sem causa que se adivinhe há em torno da fartura de alimentos uma urgência de multidão esfomeada, pressas de abandonar o Titanic, empurrões de recreio infantil, sorrisos que são esgares, sobrancerias de quem quer que se veja que está habituado a ser servido e apaparicado.
Tomam-se mesas de assalto, este e aquele acena aos colegas já abancados, entram mulheres que parecem hesitar entre as saladas e os sumos, na realidade tentando manter o equilíbrio sobre os tacões-agulha. Nórdicos enrugados pela idade e a falta de sol, a magreza das pernas a sair-lhes dos calções, rodopiam na esperança vã de que os empregados lhes procurem lugar. A satisfazer sabe Deus que raivas ou traumas, às oito da manhã vê-se gente a comer salsichas, salmão fumado, ovos estrelados, presunto, carnes quentes e batatas salteadas, com a voracidade de quem esteve no deserto e jejuou três dias. Os tímidos ocupam os cantos, sorriem no vazio, indecisos se valerá a pena perder o lugar por mais um sumo de laranja.
E assim, ali onde há muito, como eu mal, vou-me depois a um café saborear em paz uma meia-de-leite e um croissant.