sexta-feira, junho 14

Na mó de baixo

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Outros há, de certeza, com afazeres diferentes e idades mais conformes ao optimismo, mas nos últimos dias, os que lá do alto nos espiam e regem, têm-se particularmente divertido, não a pôr-me doente, mas a deixar-me num cansaço em que todo o esforço parece demasia, toda a obrigação um pesadelo, cada ritual uma ladeira a subir.
Depois, embora não seja invejoso por natureza, e saiba o modesto lugar que me cabe, não abro jornal onde não chovam ditirambos, nas revistas que leio tudo são estupendos sucessos, formidáveis realizações, talentos geniais, putos e meninas – a gramática aceitaria, mas a decência impede – que mal saídos dos cueiros deixam o mundo de boca aberta, e para isso lhes bastam pinotes, dois traques e gritaria .
Viro-me então para os deuses e pergunto: que raio têm eles que a nós, a mim e tantos milhões, foi negado? Rezam com mais fé? Queimam melhor incenso? Nasceram em signo ascendente? Conhecem o mistério de Fátima?
Resumindo: vai para uma semana que, de corpo e espírito, ando na mó de baixo. E como se não bastasse, no passado mês e meio fui a quatro enterros.
A impressão que tenho é de que, sentadas em confortáveis nuvens, as divindades se piscam o olho, assustam-me e, como se não bastasse, apontam-me, gozam a molestar-me com tanta fama à minha volta.