terça-feira, junho 18

De novo: "O vestido amarelo"

Diz que só vagamente recorda o texto e esqueceu título, mas gostava de voltar a lê-lo. Informe-se então que foi publicado neste blogue em 12.08.2011.

Conta que tinha sido impulso tolo. Fazia pouco que usava o cabelo em rabo de cavalo, revelando uma nuca que ele pretendia não ver, mas o disturbava com um estranho poder de atracção. De facto bonita, elegante, com aquele ar seguro de si que poucos têm e se lhes inveja, porque os coloca entre os seres de excepção.
Não conseguia esquecer o momento e os detalhes, menos ainda o choque do que lhe leu nos olhos.
Tinha batido uma pancada ligeira na porta do gabinete e entrado, ela sem se voltar fez um aceno, continuou debruçada sobre o computador. A nuca, irreal, sedosa, um mármore translúcido.
Aproximou-se vagaroso, controlando a respiração, as mãos presas atrás das costas, ciente do perigo e da urgência de se reter para que o inevitável não acontecesse. Debruçou-se também para ver o que ela lia, os rostos muito próximos, quase a tocar-se. E então, como se qualquer coisa quebrasse dentro de si, as mãos desligaram-se, pousaram docemente nos ombros, beijou-lhe a nuca.
A imobilidade fê-lo deter-se, retesou-se-lhe o corpo quando a cadeira girou, os olhos presos nos seus, ela muito serena:
- Gosto de ti, mas não repitas.

Se procurasse na agenda saberia ao certo, a festa deve ter sido meses depois, já Verão.
Noite de calor, beautifull people, boa música. No jardim tinham posto um estrado, mas os outros foram-se afastando e ela dançava sozinha, estonteante de beleza e cio, o corpo moldado por um extraordinário vestido de seda amarela, muito justo, muito curto.
A imagem permanecera. Conseguia aparentar indiferença, mostrar-se bom camarada, mas quando se encontravam involuntariamente recordava o momento, o erotismo de que ela era capaz, o magnetismo que possuía.
Uma tarde, no café, fingindo que a recordação lhe vinha por acaso, disse que gostara muito de tê-la visto dançar. E o vestido era mesmo chique. Ela sorriu, mudou de assunto, mas num repente perguntou-lhe se no dia seguinte estava livre. Se estava, convidava-o para jantar em casa.

A gente ouve, deixa-o falar e diz-se que deve ser de algum filme. Ou distúrbio da cabeça,  excesso de imaginação.
Tinham jantado, conversado, bebido dentro dos limites e, como duas crianças,  rido de coisas à toa. Se os corpos se tocaram foi por acaso e sem consequências. Horas depois ela desculpou-se, demorou, quando a viu entrar vinha resplendente como na outra noite, com o mesmo vestido.
- Disse-me que ficasse sentado. Não me mexesse. Pôs música e dançou para mim! Queres crer? Um sonho! Dançou para mim!

A história pode findar aqui, mas talvez você queira acrescentar o capítulo que em sua opinião falta. Mas não os leve para a cama. Seria banal.