quarta-feira, julho 7

Solidão

Seis e meia da manhã. O choque foi demasiado forte, ela notou-o, mas depois dos bons-dias sorrimos e, sem mais, entramos no parque com os cães.

Vivemos na mesma rua há anos. Desde o começo, adolescente atrapalhado com as hormonas, garanhão nos trinta, idoso consumidor de Viagra, macho que com ela se cruzava perdia a cabeça. Da vida que levava ninguém sabia, amores não se lhe conheciam, a qualquer um desarmava com o seu sorriso e as banalidades da cortesia.

Ambos madrugadores, os nossos cães facilitam a conversa, mas não recordo que alguma vez tenhamos ido mais além do que o tempo, os problemas do trânsito, os da associação de proprietários.

Continuamos em silêncio. Os cães correm longe, farejam, desaparecem, saltam, retornam.

Olho-a quando vai à minha frente e de novo me assusto, perguntando-me o que terá acontecido. Trinta anos, pouco mais, o que foi juventude e beleza é agora um corpo mirrado, os olhos a saltar das órbitas num rosto de caveira. Pernas de esqueleto. Os tremores da heroína. Involuntariamente abano a cabeça, na recordação das prostitutas que a horas mortas, no desespero da droga, se atiram contra os carros que passam detrás da Centraal Station.

Sorrimos, viramos a caminho de casa. Antes do semáforo pomos as trelas aos cães e, lado a lado, esperamos pelo sinal. Atravessamos. No momento em que me vou despedir toca-me o braço, encara-me com melancolia e, como se me devesse uma explicação, sussurra:

- Sinto-me muito só. Não tenho ninguém. Nunca tive.

Quando me recomponho já ela se afasta. Não sei que fazer nem para onde me voltar.