segunda-feira, julho 21

Sábado à tarde

O calor da tarde era demasiado. Raquel abriu o jornal vagarosamente, sem vontade de ler. Na primeira página um ministro búlgaro abraçava Solana e, por baixo, em maiúsculas, a notícia de que o nível do Reno já baixara mais que no ano anterior.
As janelas estavam abertas, ouvia-se o ladrar dos cães, correndo uns atrás dos outros. Pegou outra vez na garrafa e pô-la à boca, sem se dar ao trabalho de usar o copo. O leite frio, quase gelado, tornara-se para ela um vício tão exigente como o fumar. A garrafa, porém, estava vazia e, durante um instante, perplexa, não conseguiu recordar-se se era a primeira ou a segunda.
Irritada, atirou com o jornal. Apoiando-se com dificuldade nos braços da cadeira, levantou-se, caminhou lentamente para a cozinha. Os dias piores eram os do fim-de-semana. Não fossem os cães teria a impressão de que se achava ali num deserto. Os vizinhos saíam para a praia de manhã cedo e quando voltavam já era noite. No Verão só raramente os via.
A casa não era grande, mas o corredor parecia aumentar de comprimento. Como era possível que a cozinha estivesse fechada? Estaria outra vez a piorar dos olhos? Tinha a certeza de que a deixara aberta e em casa não havia mais ninguém.
- Quem é?
Foi andando apoiada à parede. Empurrou a porta com cuidado, hesitando um instante antes de entrar, certa de que ouvia passos que se afastavam.Tirou outra garrafa do frigorífico, bebeu lentamente, contou as que sobravam. Nove, o bastante até segunda-feira.
Naquele momento ouviu telefone. Um tilintar desagradável e tanto mais inesperado porque só raramente lhe telefonavam. A sala parecia-lhe longe, uma distância absurda, fatigante, mas vencendo-se caminhou para lá. Ia a meio do corredor quando um dos cães passou a correr, seguido por outros dois. Como teriam entrado? Era impossível que fossem capazes de saltar pelas janelas, demasiado altas.
O telefone silenciou. Um instante depois recomeçou a tocar e levantou-o do descanso. Reconheceu a voz da irmã que vivia em Paris, aquele modo aflito de gritar "Allô! Ana? Allô!", mas não tinha vontade de conversar, nem de lhe ouvir as queixas. Pousou o aparelho, perguntando-se se teria força bastante para voltar à cozinha, onde tinha deixado a garrafa.