quarta-feira, maio 21

Pesadelo

Era a quarta ou quinta vez que acontecia. Em geral a meio da noite, nas ocasiões em que, fisicamente exausto, caía num sono profundo.
De repente sufocava, horrorizado com as formas silenciosas que esvoaçavam à sua volta. Escapar-lhes era impossível. As rampas que tentava subir transformavam-se em muros, o que pareciam portas eram fendas, e cada passo que dava, tudo o que fazia para se defender ou fugir, apenas aumentava a insegurança e o terror.
Ouvia-se a gritar, sentindo que se despenhava, mas o que se seguia não era queda, antes algo como um desfazer, acompanhado de um profundo sentimento de desespero.
Acordava a tremer, o ambiente demorando a tornar-se-lhe familiar, saía da cama inquieto de que, se tinha gritado como supunha, alguém aparecesse a acudir.
Suspendeu a respiração e fechou os olhos, a concentrar-se, supondo ouvir passos que se afastavam, ao mesmo tempo a dizer-se que era improvável, pois naquela parte da casa só dormia ele.
Acendeu um cigarro, abriu a porta da varanda e puxou uma cadeira, sentou-se, a calma a voltar pouco a pouco, o coração menos fremente. Noite fresca, a brisa a sobrepor o cheiro da maresia longínqua ao das flores do jardim.
O porquê continuava uma incógnita, certo era que o pesadelo e a recordação se achavam como que entrançados. Terminado o horror do sonho recomeçava a tortura imparável da memória, as cenas a desenrolar-se em cronologia, vívidas, como se em vez de pertencer a um passado remoto fossem do dia anterior.