quinta-feira, dezembro 11

Gajos e coisas

 

Há estatísticas, para tudo as há, mas falta-me paciência para ir procurá-las, e neste caso basta-me o que oiço. Vem isto de há muito, mas nesse tempo a fenómeno afligia-me menos e deitava-o eu à conta da simplicidade da vida de então, do analfabetismo e das condições em que se vivia. Mas hoje tudo são belas escolas, rádios, televisões, montes de jornais, montanhas de revistas e, contudo, ora me faz rir, ora me assusta, a pobreza do vocabulário com que, para falar à moderna, as pessoas interagem.

Anunciando talvez o futuro, já me aconteceu noutro país ter tido estudantes que quase exclusivamente se exprimiam de forma não verbal, com Ughs e Achs, Pffs, Sshhit, Buhh, mas pelo que observo há por aqui gente de estudos cuja linguagem me leva a temer que aquilo que dizem, e como o dizem, traduz um assustador vazio. Todos se afirmam envolvidos em projectos que são um verdadeiro desafio; têm trajectos; começam e terminam as frases com um "Pronto!". O riso tanto lhes serve para exprimir aceitação como discordância, e com "gajo", "coisa", "foda-se!", "bordamerda" e que tais, escondem mal os buracos do raciocínio.

Recordo ter lido que o falante se serve em média de dois mil vocábulos, mas isso foi nos longes do século passado. Hoje, avaliando pelo que oiço, pergunto-me se chegarão aos duzentos.

 

terça-feira, dezembro 9

Diz que mata

 

Diz que mata mas não mata, é só para mostrar a pistola e fazer de valente. Diz que desconfia. Que se um dia os apanha juntos acontece uma desgraça. Mas aquilo não é ele, é o vinho a falar. Aliás, mulher como a que tem, estafermo de más ventas e mau feitio, nem o Diabo a aceitaria de presente. Cobiçá-la? Só se algum tarado.

Encontro-o na serralharia. Encontro-o às vezes encostado ao portão do cemitério, ou a caminhar para lá para cá na arcada da Câmara. De longe a longe no café. Escolheu-me para confidente do seu desatino e é por isso que, mesmo de longe, assim que me vê bate uma pancadinha no bolso das calças onde a pistola avulta. Uma Parabellum sem carregador.

 

 


 



sábado, dezembro 6

DJ de sotaina

 

https://blasfemias.net/2025/12/05/o-padre-dj-com-bencao-papal/ 

sexta-feira, dezembro 5

O invejoso

Em cada geração da intelectualidade há sempre um curioso tipo: o invejoso. Perito na delicada arte de montar a sua reputação, enciclopédico nos interesses e no conhecimento, dotado de algum talento e cautelosamente arrimado ao Poder, cria ele fama e proveito de autoridade.

Manuseia com perícia a dosagem de cumprimentos, torna-se reverente para com o jovem poeta, aplaude o obscuro romancista que descobriu na Roménia, e assim vai elevando a própria estátua.

Anuncia urbi et orbi as suas andanças e raro passa ano em que, ora poesia, ora romance ou ensaio, não publique livro seu. Por vezes mais que um. Toda a gente o conhece, ninguém o lê, mas nunca ferra nem se agita, que isso são modos de que no Olimpo se desdenha.

Secretamente, porém, a sua vida é um inferno, pois dotado de inteligência e perspicácia ele sabe como poucos distinguir o trigo do joio. E sofre. E inconscientemente revela a inveja que o mortifica: quando enfrenta ou descobre noutro verdadeiro talento, bem podem tocar alto as trombetas, a sua ficará no saco.