terça-feira, dezembro 9

Diz que mata

 

Diz que mata mas não mata, é só para mostrar a pistola e fazer de valente. Diz que desconfia. Que se um dia os apanha juntos acontece uma desgraça. Mas aquilo não é ele, é o vinho a falar. Aliás, mulher como a que tem, estafermo de más ventas e mau feitio, nem o Diabo a aceitaria de presente. Cobiçá-la? Só se algum tarado.

Encontro-o na serralharia. Encontro-o às vezes encostado ao portão do cemitério, ou a caminhar para lá para cá na arcada da Câmara. De longe a longe no café. Escolheu-me para confidente do seu desatino e é por isso que, mesmo de longe, assim que me vê bate uma pancadinha no bolso das calças onde a pistola avulta. Uma Parabellum sem carregador.

 

 


 



sábado, dezembro 6

DJ de sotaina

 

https://blasfemias.net/2025/12/05/o-padre-dj-com-bencao-papal/ 

sexta-feira, dezembro 5

O invejoso

Em cada geração da intelectualidade há sempre um curioso tipo: o invejoso. Perito na delicada arte de montar a sua reputação, enciclopédico nos interesses e no conhecimento, dotado de algum talento e cautelosamente arrimado ao Poder, cria ele fama e proveito de autoridade.

Manuseia com perícia a dosagem de cumprimentos, torna-se reverente para com o jovem poeta, aplaude o obscuro romancista que descobriu na Roménia, e assim vai elevando a própria estátua.

Anuncia urbi et orbi as suas andanças e raro passa ano em que, ora poesia, ora romance ou ensaio, não publique livro seu. Por vezes mais que um. Toda a gente o conhece, ninguém o lê, mas nunca ferra nem se agita, que isso são modos de que no Olimpo se desdenha.

Secretamente, porém, a sua vida é um inferno, pois dotado de inteligência e perspicácia ele sabe como poucos distinguir o trigo do joio. E sofre. E inconscientemente revela a inveja que o mortifica: quando enfrenta ou descobre noutro verdadeiro talento, bem podem tocar alto as trombetas, a sua ficará no saco.

 


quarta-feira, dezembro 3

Salamaleques

 

Um achaque, uma ponta de febre, logo a gente se desinteressa do que vai no mundo. Assim, só agora fiquei ao corrente de que umas dezenas de personalidades foram, ou vão, solicitar ao Presidente da República que arranje o que se desarranjou e endireite o que no país está torto.

Há nesse gesto algo que me aborrece, pois a meu ver vai longe o tempo em que os "homês bõs da naçom" iam ajoelhar diante do monarca e solicitar a sua mercê.

Fora isso, surpreendeu-me também que a certeza antiga de que "O Povo é quem mais ordena" parece ter perdido a data de validade. Põe-se o povinho de lado e vão os senhores confabular em tête-à-tête sobre o modelo de nova albarda para o Zé.

Desagradou-me ainda ver entre essas personalidades sujeitos que aproveitaram dos erros que agora  querem ver corrigidos, outros que desses erros foram co-autores, e uns quantos que se calaram enquanto estiveram sentados à mesa do banquete.

Tenham vergonha, deixem-se de salamaleques.