sexta-feira, dezembro 12

Frases e máscaras

 

Duas razões para citar algumas frases de Arthur Schnitzler (1862-1931). A primeira é a admiração pelo seu formidável talento de escritor e dramaturgo. A segunda é que, tomando-as de empréstimo, elas me permitem “falar” a alguns amigos e amigas que compreenderão o que lhes quero dizer.

“São muitas as maneiras de fugir à responsabilidade. Pode-se escapar a ela através da morte, da doença, e finalmente através da estupidez.”

“Nenhum fantasma nos ataca em tantos e tão variados disfarces como a solidão, e o amor é uma das suas mais impenetráveis máscaras.”

“Cada relação amorosa passa por três fases que imperceptivelmente se sucedem: a primeira é aquela em que, mesmo em silêncio, um se sente bem com o outro; na segunda um sente-se silenciosamente aborrecido com o outro; na terceira o silêncio torna-se um vulto que se ergue entre ambos os amantes como inimigo mortal.”

“O que torna tão problemática uma relação amorosa é o facto de nos sentirmos tomados por um permanente anseio de liberdade, ao mesmo tempo que procuramos prender o outro, embora sem estarmos convencidos de que temos o direito de fazê-lo.”

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(*) A minha tradução não é a melhor. Quem conhece a língua leia - Arthur Schnitzler, Buch der Sprüche und Bedenken.

 

 

quinta-feira, dezembro 11

Gajos e coisas

 

Há estatísticas, para tudo as há, mas falta-me paciência para ir procurá-las, e neste caso basta-me o que oiço. Vem isto de há muito, mas nesse tempo a fenómeno afligia-me menos e deitava-o eu à conta da simplicidade da vida de então, do analfabetismo e das condições em que se vivia. Mas hoje tudo são belas escolas, rádios, televisões, montes de jornais, montanhas de revistas e, contudo, ora me faz rir, ora me assusta, a pobreza do vocabulário com que, para falar à moderna, as pessoas interagem.

Anunciando talvez o futuro, já me aconteceu noutro país ter tido estudantes que quase exclusivamente se exprimiam de forma não verbal, com Ughs e Achs, Pffs, Sshhit, Buhh, mas pelo que observo há por aqui gente de estudos cuja linguagem me leva a temer que aquilo que dizem, e como o dizem, traduz um assustador vazio. Todos se afirmam envolvidos em projectos que são um verdadeiro desafio; têm trajectos; começam e terminam as frases com um "Pronto!". O riso tanto lhes serve para exprimir aceitação como discordância, e com "gajo", "coisa", "foda-se!", "bordamerda" e que tais, escondem mal os buracos do raciocínio.

Recordo ter lido que o falante se serve em média de dois mil vocábulos, mas isso foi nos longes do século passado. Hoje, avaliando pelo que oiço, pergunto-me se chegarão aos duzentos.

 

terça-feira, dezembro 9

Diz que mata

 

Diz que mata mas não mata, é só para mostrar a pistola e fazer de valente. Diz que desconfia. Que se um dia os apanha juntos acontece uma desgraça. Mas aquilo não é ele, é o vinho a falar. Aliás, mulher como a que tem, estafermo de más ventas e mau feitio, nem o Diabo a aceitaria de presente. Cobiçá-la? Só se algum tarado.

Encontro-o na serralharia. Encontro-o às vezes encostado ao portão do cemitério, ou a caminhar para lá para cá na arcada da Câmara. De longe a longe no café. Escolheu-me para confidente do seu desatino e é por isso que, mesmo de longe, assim que me vê bate uma pancadinha no bolso das calças onde a pistola avulta. Uma Parabellum sem carregador.