quinta-feira, abril 10

Que liberdade ?

 

 https://maepreocupada.blogspot.com/

domingo, abril 6

Forca sem corda

 

Nem todos os casos se podem contar, pois mesmo quando os embrulhamos em ficção, e se situam os personagens e as peripécias em lugar distante, há muitas vezes um passo em falso na narrativa, ou detalhe traiçoeiro que escapa, pondo então fim ao enredo e ao intuito de esconder.

O sofrimento destes merecia um Camilo, mas homem, mulher ou transgénero com o talento desse gigante literário está para nascer, pois os escribas que por aí andam nem aos calcanhares lhe chegam. Além de que muitos desses pouco sabem da arte da escrita, e dos enredos da boa ficção ainda menos, vêem na gramática uma desnecessária geringonça, que para mais não serve do que impedir o livre curso do historial dos seus enredos e emoções.

Sobre os personagens antes citados vamo-nos então contentar com um mínimo de referências, e essas serão de que nasceram filhos únicos em família remediada, numa vila de província que, nalguns aspectos, é de facto um presídio social.

Começou a tragédia pelo pai, que uma noite ao jantar se tinha de repente levantado, acenando o que parecia uma desculpa. Porque estranharam que demorava foi ele à procura, e o grito que deu ao vê-lo enforcado ecoou na rua, acudiram os vizinhos. Iria repetir-se a tragédia coisa de ano e meio depois, o avô pendurado na mesma trave.

O casamento deles, já no tarde, tinha sido comunhão apalavrada das posses e alguma simpatia, que amor de verdade é o das telenovelas. Felizmente nasceu-lhes um anjo, e quase dezassete anos conheceram o Paraíso, julgaram que seria para sempre, viriam netos.

Só que em vez de netos veio a droga, veio o martírio, sobram as ameaças. Não lhe neguem o dinheiro, que ela adivinha como o escondem. E sabe onde está a corda.

 

 

domingo, março 30

Entre a espada e a parede

 

Um português a viver no estrangeiro, o meu caso há sete décadas, confronta por vezes situações que tornam complicada a sua maneira de reagir, vendo-se em certos momentos posto entre a espada e a parede, noutras a hesitar entre a franqueza e o que pode ser tomado por estupidez, ou pior: falta de patriotismo.

Se já era assim uns vinte anos atrás, as circunstâncias vieram complicar-se com o desmesurado interesse dos estrangeiros afortunados quererem ter casa em Portugal. Isso porque, fora o poupar-lhes dinheiro, oferece também uma, hoje em dia muito rara possibilidade: a de poderem reviver a situação privilegiada de casta superior, tal como a que gozaram os seus avós na época colonial.

Infelizmente não há bela sem senão, e embora a passagem de dinheiro vivo entre mãos resolva muitas situações conflituosas, ou oposição de interesses, uma ou outra surge em que a parte – neste caso o estrangeiro – que se sente prejudicada, quer recorrer à lei.

Começa ele então por contactar um advogado, que as mais das vezes, se não todas, lhe será recomendado como muito capaz, mas também na posse daquelas relações que aceleram o que, para o comum dos mortais, demora eternidades a resolver.

Julgando-se em bom caminho, vê-se o ingénuo no começo de uma bizantina via dolorosa. Informa-o o advogado que a lei que ontem vigorava, já outra a substituiu. Que o funcionário que decide está de baixa por tempo indeterminado. Que...

Cabe-me então – português e amigo – tentar justificar a bizantinice de muitas das nossas leis e regulamentos, mas também o poderio concentrado nas mãos e nos bolsos dos advogados e funcionários públicos.

Estranho é que, em vez de agradecer os conselhos que tinham pedido, mostram má cara, discordam, acham que desdenho e critico a terra onde nasci.

 

domingo, março 23

Nas nuvens

 

Além das mais que conhecidas, desagradáveis e previsíveis consequências que a acompanham – sei do que falo - a muita idade possui de vez em quando uma ou outra que inesperadamente se manifesta, parecendo ter como única finalidade, o desequilíbrio de certezas que se julgavam adquiridas, mas de um instante para o seguinte, felizmente passam à categoria de fata morgana.

É provável que de uma ou outra maneira sempre tenha sido assim, mas creio – de facto tenho a certeza – que para a geração que me antecedeu, e vivia em circunstâncias que em pouco se diferenciavam das do século dezanove, a máquina a vapor, a electricidade, o automóvel, a rádio e o telefone eram incríveis maravilhas.

Nesse ditoso tempo, nem mesmo o mais destemido dos visionários teria ousado imaginar a importância, o impacto, a profundidade do transtorno causado no nosso dia-a-dia. Decorre isso da verdadeira omnipresença e omnipotência, do que já não é somente aparelhagem, mas nos transcende. Funciona em clouds,  “nuvens” que na aparência existem para nosso uso e benefício, mas na realidade perturbam o entendimento, levando-nos a escorregar para a situação de escravos de um incorpóreo, mas assustadamente totalitário e poderoso senhor.

Sorrirão divertidos, pensando diferente, os que têm agora à volta dos trinta, certos de que quando chegarem à velhice não vão ser apanhados de surpresa pela modernidade que lhes calhar. Convencidos de que, venha o que vier, será sempre para melhor, mais sofisticado, proveitoso e acessível a todos.

Porque chega de sombras, e já foram ultrapassadas as suas profecias, serei o último a recomendar-lhes a leitura de O admirável mundo novo de Aldous Huxley.