domingo, março 17

"The morning after"

 

Embora o Inglês se tenha tornado o Latim do nosso tempo, é melhor explicar a quem a desconhece: a frase refere-se aos cuidados para, com uma pílula, garantir paz de alma na manhã seguinte a uma noite de bandalheira.

Foi, todavia, num momento e num contexto bem diferente, que a frase me ocorreu no passado dia 3. Perguntava-me se fazia sentido a minha teimosa abstenção do voto, e se valeria a pena fantasiar sobre o resultado das eleições.

Terminei pela triste conclusão de que não valia. Com o melancólico sentimento que dão as vivências da muita idade, o que conheço do meu povo e da sua História, seria infantilidade esperar do resultado das eleições uma mudança a sério, profunda, e para o bem geral.

É doloroso profetizar que essa mudança não virá agora, nem nas gerações mais próximas. Os caciques, os títeres e as suas quadrilhas conhecem-se de ginjeira e há muito, cumprimentam-se, visitam-se, sabem ao milímetro o que - digam eles e elas serem da direita, da esquerda, do centro, de cima, de baixo ou do lado - podem arriscar impunemente,  pois a chamada res publica há muito é herdade sua

Bandalhos que são, ninguém os ultrapassa no uso da máscara, muito aprenderiam com eles os que estudam para ser actores. E como não há peçonha que os leve para sempre, continua a pesar-nos, de cilha cada vez mais apertada, a triste albarda que Bordalo Pinheiro nos desenhou no lombo.

Não descubro motivo para conforto ou esperança depois das eleições. Nem sequer num futuro longínquo, o que me leva a alinhar com a profecia de Saramago: a redenção e o progresso talvez cheguem no dia em que Portugal se tornar província de Espanha.

Não resta dúvida que esses nos vão roubar os anéis, mas para seu proveito hão-de cuidar que fiquemos com mãos e dedos.