sábado, março 23

Como foi


“De 19 a 21 e Abril realiza-se num chalet da família Rothschild em Megève, a reunião anual da Conferência de Bilderberg, o grupo de personalidades influentes do Ocidente que, por sugestão do príncipe Bernard dos Países Baixos, se reúne desde 1954 com o fim de estudar a situação económica, política e social no mundo.
Na reunião de Abril de 1974 toma parte um número de pessoas de quem o mínimo que se pode dizer é que no mundo ocidente «têm peso». Frederic Dent, o ministro americano do Comércio; o general Goodpaster, comandante supremo da NATO na Europa; Dennis Healey, ministro inglês das Finanças; R.Foren, presidente da General Electric na Europa; Helmut Schmidt, então ministro das Finanças e depois chanceler da Alemanha; Franz Josef Strauss, primeiro-ministro da Baviera; Joseph Abs, presidente do Deutsche Bank; Guido Carli, governador do Banco de Itália; Giovanni Agnelli, presidente da FIAT; Joseph Luns, secretário-geral na NATO...

Entre os participantes encontra-se igualmente o sueco Thorsten Anderson, director dos estaleiros da Lisnave, em cujo capital a CUF é maioritária. Anderson é apresentado como amigo pessoal e enviado de Spínola, e encarregado de informar os presentes acerca da evolução da situação em Lisboa.
No dia seguinte ao dessa reunião, a 22 de Abril, partem de Lisboa emissários de Spínola para Paris, Roma, Washington, Haia, Bruxelas, Bona, Londres, Rio de Janeiro, Cidade do Cabo, Dacar e Salisbúria, com ordem de nessas capitais aguardarem os acontecimentos e, na devida altura, entregarem aos respectivos ministros dos Negócios Estrangeiros os documentos de que são portadores, a saber:
— Os motivos que justificam o golpe de Estado.
— O Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA) — que passa a ser a designação oficial do Movimento dos Capitães.
— O pedido de reconhecimento da Junta de Salvação Nacional.

Na tarde de 24 de Abril fundeia diante de Lisboa uma poderosa esquadra da NATO, a qual se prepara para no dia 26 dar início a manobras aeronavais no Mediterrâneo e na costa atlântica («Dawn Patrol 74»), as quais incluem exercícios aéreos com a participação de aviões ingleses e americanos estacionados na base de Montijo.

Spínola vai passar a noite de 24 para 25 numa embaixada, cujo telex será utilizado para alertar os emissários do êxito do golpe. Na madrugada de 25 de Abril, quase simultaneamente ao aparecimento das tropas revoltosas em Lisboa, a esquadra da NATO levanta ferro e vai pairar a curta distância da foz do Tejo, aí permanecendo até ao fim da tarde desse dia.

Em pouco menos de dezoito horas vai cair um regime de quarenta e sete anos. Com uma simplicidade que desconcerta, praticamente sem sangue — quatro mortos — e quase com le-
viandade, pois por fim as reuniões dos oficiais são feitas sem disfarce, numa noite juntam-se mais de cem num dos estabelecimentos mais frequentados de Lisboa, «Apolo 70», chamando-se
pelos nomes, alguns avisando os colegas em voz alta de que «é preciso ter cuidado».
O major Otelo Saraiva de Carvalho é o cérebro da operação. Um capitão de vinte e nove anos, Salgueiro Maia, à frente de duzentos e quarenta homens e dispondo de dez carros blindados, vai ser o braço.”

 

In Portugal, a Flor e a Foice - Quetzal, 2014