domingo, março 24

A loja dos 300

 

Podia ser noutra, que ocasiões não têm faltado, mas a desfaçatez do senhor, pesaroso e contrito a afirmar na entrevista: “A nossa geração falhou”, pôs-me mais avesso do que de costume. Porque a sua geração, a dos que têm agora entre setenta e oitenta anos, sabe-o ele, sabemo-lo todos, é de longe e fora de dúvida, a mais bem sucedida em se apoderar do país, e manter para seu exclusivo benefício a ocupação do aparelho do Estado.

Listar nomes é supérfluo, todos os conhecemos. Aliás, eles próprios cuidam de chamar a atenção sobre as suas pessoas, o nobreza dos seus princípios, o espírito de sacrifício com que há cinquenta anos se dedicam à governança.

Dormem descansados, certos e seguros de que não será em futuro previsível que iremos incomodá-los, nem mais longe do que lhes apontar o dedo, pois melhor do que ninguém conhecem eles os engodos e tretas que mantêm o rebanho em secular mansidão.

 

Portugal tem grandes médicos, grandes arquitectos, cientistas notáves, excelentes engenheiros, empresários e industriais competentes, não lhe faltam artesãos, sobra nele gente capaz e dedicada no seu trabalho. Tem também banqueiros de boa e má fama, trafulhas de tão alto coturno que merecem um Balzac que lhes romanceie a biografia.

Não tem daqueles grandes pintores ou cineastas de renome mundial, o que é pena mas está longe de ser desonra. Como também há mais de um século lhe falta um grande escritor – o Nobel não é craveira – e isso revela algo acerca do nível artístico e desenvolvimento intelectual da sua sociedade.

Mais coisa menos coisa, doutros países se pode dizer o mesmo, não fosse dar-se o caso de Portugal se distinguir por uma bizarria: a de nele parecerem ser menos os cidadãos do que os clientes. No sentido que na antiga Roma se dava ao vocábulo.