sexta-feira, junho 10

Morcão


Tem de haver alguém que nessa qualidade o ultrapasse, pois a estupidez é poço sem fundo, mas será custoso encontrá-lo.
Poucos como ele saberão enfiar a mão no bolso das calças, arquear o peito, erguer a cabeça, abrir a boca naquele sorriso que lha deixa meio de esguelha, e então, o indicador em jeito de pistola apontada, opinar sobre o caso dos pepinos, a incúria do cirurgião que operou as cataratas da sogra, o perigo dos frangos de aviário, as doenças que resistem aos antibióticos, as vantagens do gasóleo…
Interrompê-lo está fora de questão e a quem o tenta riposta aos gritos, tamanha é a certeza que possui do que afirma, tão convencido vive de que ninguém lhe chega aos calcanhares. Às opiniões contrárias chama ele merdices, ter estudos é garantia de nada coisa nenhuma
Foi o que antigamente se chamava manga de alpaca e desde que se reformou cria periquitos. Por cara metade tem uma galega que era de má pinta, mas a pobre, sujeita a um constante bombardeamento de estupidez, não somente perdeu o veneno como foi definhando, parece anã.
Contudo, profundos são os mistérios das vidas e das gentes: esses dois dão prova de genuíno afecto e vida feliz. Beijinhos e chilreios, palmadinhas no rabo, enternece vê-lo babar-se quando ela lhe chama morcão.