sábado, agosto 23

Estevais de Mogadouro ardeu

 

Na semana passada a minha aldeia ardeu. Salvaram-se as casas, mas do arvoredo nada ficou, foram para sempre os milhares de oliveiras, tantas delas multiseculares. A paisagem é um negrume. O que nos vai na alma dói de um modo que não se confia a terceiros, pois nem a todos é dado o sentimento de pertença com o chão de tantas gerações, que no nosso caso já era antigo quando por ele caminharam os romanos.

 

 

quinta-feira, agosto 21

A Selva

 

Teria uns dezasseis anos quando li A Selva, de Ferreira de Castro. Fez-me impressão, porque me tinham dito que era livro para ler e ficar impressionado.

Com andanças e mudanças o velho exemplar perdeu-se. Comprei depois outro, que não reli, pois as folhas continuam por cortar. Foi esse que há pouco me avivou a memória.

Uma tarde, num café em Paris, no começo dos anos 60, um amigo apresentou-me ao autor. Nessa altura era já pouco o que me impressionava, e Ferreira de Castro deu-me, sobretudo, a impressão de um senhor preocupado em excesso com a carestia da vida, os achaques do seu corpo e a necessidade de ir a Vichy para as águas.

Em determinado momento conversou-se sobre a rapina dos editores, e Ferreira de Castro contou então que, para garantir que os exemplares vendidos fossem devidamente facturados, mandava carimbar em todos o seu ex-libris.

Fui verificar no exemplar das folhas intactas, e de facto lá está. Também me pergunto quem terá carimbado as muitas dezenas de milhar de livros do autor d’A Selva. De um escritor de tiragens mais modestas sei eu que, quando isso ainda se fazia, sentava-se ele próprio na tipografia, de carimbo na mão.

segunda-feira, agosto 18

Um cartaz

 

Somos um cartaz, bilhete de identidade ampliado, montra que os outros olham com poderes de Raios-X.

Privacidade? Dos pés à cabeça muito de nós é público, transparente, e fingindo passar despercebidos fazemos por marcar presença. Trejeitos, o gesto simples de pegar num embrulho, tudo são sinais, um morse sem cifra. Interessantes ou não, quando nos examinam somos um livro aberto.

Razão porque me refugio em disfarces, contrario o que me é natural, aparento, crio uma imagem, mas de facto só a mim iludo.