https://resistir.info/v_carvalho/trump_rev_1.html
Patrão da Barca: J. Rentes de Carvalho
https://observador.pt/opiniao/os-tiroteios-tiroteiam-os-carros-avancam-sobre-a-multidao-e-as-facas-esfaqueiam/
Desde que não prejudique o semelhante, nem o aborreça demasiado, cada um tem direito às suas crenças, bizarrias, certezas e toleimas. Mas onde, de modo em extremo desagradável a porca torce o rabo, é quando se tenta determinar o limite aceitável entre o que parece um assalto de boas intenções, mas na realidade pode ser a ingénua arrogância de quem, indiferente à irritação ou à vontade do outro, insiste em ajudar.
Isso acontece demasiadas vezes com aqueles, que chegados ao que eufemisticamente se chama “certa idade” - o meu caso - se vêem sujeitos a um bombardeamento de bons conselhos, avisos, sugestões, “pírulas”, técnicas e processos que asseguram a saúde, o bem-estar, a agradável passagem do tempo. Todos com certificado de garantia, não somente travam de modo radical o envelhecimento, mas também contribuem para melhorar a qualidade do dia-a-dia, aumentando ainda o gosto de viver.
Felizmente, e para seu descanso, não lerá isto a boa alma que me trouxe o frasco que tenho agora defronte. A acreditar no papelucho anexo, a eficácia dos cem compimidos foi provada pela pesquisa feita a setecentos e setenta e sete suíços idosos, que depois de tomarem diariamente um grama de ácido gordo ómega-3 constataram, de modo irrefutável, ter sido retardado em três ou quatro meses o seu envelhecimento biológico.
Assim será. Já não rio, não sorrio, não gracejo, encolho os ombros, deixo andar. Mas essa é a aparência, certo e seguro que ninguém poderá dar conta da fúria que escondo no íntimo. Fúria que vai tanto para os intrujões e as suas promessas, como para os simples, que acreditam esconder-se nas pílulas destas ou de outras vitaminas, a certeza de dias calmos e o milagre de uma saudável longevidade.
Prezado sargento Getúlio, (*)
Que me lembre, poucas vezes ao começar uma carta terei ressentido uma tão singular desencontro de sentimentos como os que me tomam ao escrever esta.
Em primeiro lugar, porque não sei bem se o modo que uso em epígrafe é o mais adequado para me dirigir a si. Sê-lo-ia certamente para usar com um dos sargentos pouco militaristas de agora, desses que foram à escola e possuem uma noção democrática do respeito que se deve às pessoas e às instituições. No seu caso, creio que não. Você, sargento da Polícia Militar no Brasil dos anos 50, analfabeto ou quase, autoritário até à loucura, tem sobre o respeito ideias tão suas que, embora tal pareça absurdo, elas se tornam simultaneamente ridículas e universais, humanas e perigosas; num momento provocam a minha ira, mas por um estranho poder de corrupção logo a seguir me sinto obrigado a conceder que me parecem razoáveis.
Acontece também que nunca escrevi a um morto, o que faz acompanhar o acto de uma curiosa sensação de irrealidade. Isso, porém, não evita que noutra parte do meu ser, aquela em que existo sem as peias do espaço e do tempo, você tenha adquirido a qualidade de figura eterna e ponto de referência. Não é que lhe inveje a crueldade de lentamente esfolar um inimigo vivo, de se consolar ao fazer com que outro vomite os próprios intestinos, ou ao abrir à faca o ventre duma mulher grávida. Tão pouco posso apreciar o modo cego como você acata ordens, e menos ainda a agudez animal de, em tudo e todos, procurar o ponto fraco para depois, sem dó nem perdão, pensar apenas em destruir.
Contudo, nas horas escuras em que o impossível deixa de existir e o espírito anseia pela liberdade total, tenho-me surpreendido a imaginar que eu talvez não desgostasse de viver uma vida linear como a sua, em lugar de me ver submetido aos solavancos e à confusão do meu dia-a-dia. Porque o que sobretudo me fascina em si é a aceitação da existência sem regras, limitada a um único bem, o cumprimento da ordem, e reconhecendo somente um único mal, a desobediência à ordem. O resto, crueldade, medo, fome, dor, sofrimento, desaparece esmagado entre esses dois pilares que, no seu ver, com tão terrífica simplicidade delimitam tudo. Você prova o que eu preferiria não ver provado: que a vida pode ser vivida sem moral, sem beleza, sem amor; que todos os entusiasmos são fúteis, a alegria indecorosa e o carinho uma acção mecânica.
Felizmente, a minha sensibilidade e a consciência - ou serão apenas as minhas limitações? - levam a melhor, e passado o desvario retomo o que julgo ser a paz que me permite ir existindo. Só que essa paz dura pouco e, tendo conseguido semear em mim a desconfiança, no final é você quem vence.
Cruel e assassino, indiferente ao sentimento próprio ou alheio, maníaco com apenas uma ideia e avesso a tudo o que seja mudança, mesmo assim qualquer coisa em si toca o religioso, algo de inefável, de puro; algo que se apercebe ainda menos que o ligeiro toque da brisa e contudo se ressente forte como uma presença sólida, uma certeza.
Muitos dos bons sentimentos que a você faltam conheço-os eu de nascença, e quase tudo o que você é, o que faz e o que sente, é para mim odioso. Contudo, e esse será o mistério da admiração que você me causa e até certo ponto da minha inveja, enquanto eu nunca torturei nem matei, tenho a certeza que no dia em que comparecermos ambos no Julgamento Final, Deus fará para o meu lado um gesto de demissão e o acolherá a si com um sorriso de ternura. Porque só Ele sabe as razões que O levam a escolher a um para Seu instrumento do mal, e a atirar a outro para o anonimato da massa que, respeitosa da moral por temor à pena, cobardemente se conforma.
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(*) Personagem do romance Sargento Getúlio - João Ubaldo Ribeiro (1971).
No OBSERVADOR
“Em vez da Ucrânia, JD Vance criticou a Europa pela "perda de valores fundamentais", censura e "altos níveis de imigração
Líderes europeus esperavam um discurso centrado no conflito da Ucrânia mas ouviram o vice-presidente dos EUA criticar duramente as políticas do velho continente, da liberdade de expressão à imigração.
O vice-presidente dos EUA, JD Vance, disse esta sexta-feira que a administração Trump “está está muito preocupado com a segurança na Europa”, referindo que a maior ameaça ao velho continente não é a Rússia mas sim a perda de “valores fundamentais” e a censura à liberdade de expressão. Vance criticou ainda a Europa, que, diz, ignora a vontade do seu povo, não respeita a liberdade religiosa e não impede a imigração ilegal.
“A administração Trump está muito preocupada com a segurança europeia e acredita que podemos chegar a um acordo razoável entre a Rússia e a Ucrânia”, disse o vice-presidente dos EUA, no discurso que fez na Conferência de Segurança de Munique. No entanto, e ao contrário do que se esperava, esta foi a única referência à guerra no discurso de Vance — que não abordou as ameaças de segurança externa à Europa, nomeadamente aqueles que poderão vir a ser protagonizadas por Moscovo. Em vez disso, Vance escolheu criticar o que considera ser a perda de “valores fundamentais” na Europa.
“A ameaça que mais me preocupa em relação à Europa não é a Rússia, não é a China, não é nenhum outro ator externo“, disse Vance. “O que me preocupa é a ameaça interna – a retirada da Europa de alguns de seus valores mais fundamentais, valores partilhados com os Estados Unidos da América”, disse o vice-presidente norte-americano, citado pelo site Euroactiv. O vice-presidente dos EUA elencou vários exemplos do que considera ser a censura à liberdade de expressão na Europa, dando o exemplo do Reino Unido, onde um homem foi preso por realizado um protesto contra o aborto junto a uma clínica que realizava aquele procedimento.
“Na Grã-Bretanha e em toda a Europa, a liberdade de expressão, temo, está em declínio”, disse Vance, criticando ainda as leis europeias que, acusa, limitam a liberdade nas redes sociais ou que têm como alvo o que Vance designa como discurso cristão. Segundo o New York Times, a plateia recebeu as palavras do vice-presidente dos EUA com perplexidade.
Vance criticou ainda o cordão sanitária à extrema-direita em vários países europeus. “Se têm medo dos seus próprios eleitores, não há nada que a América possa fazer por vocês”, disse o responsável. Outra das críticas feitas por Vance incidou sobre a imigração na Europa – uma bandeira da administração Trump.
Segundo o NYT, o vice-presidente dos EUA pediu mesmo aos europeus que abandonem a recusa de cooperar com partidos anti-imigração, apelando a que as preocupações dos eleitores com os altos níveis de imigração sejam respeitadas. Vance fez ainda referência às vítimas do atentado em Munique, cometido por um afegão, esta quinta-feira, para defender um travão à imigração. “Quantas vezes devemos sofrer esses contratempos terríveis antes de mudarmos de rumo e levarmos a nossa civilização numa direção diferente?”, questionou, citado pelo site Politico.”
"A remodelação já não era grande coisa. Foi um mal-amanhado acerto de secretários de Estado. Não se percebe, afinal, quem manda mais na Saúde. Se a ministra se a secretária de Estado que lá ficou pregada ao chão. O primeiro-ministro também não aproveitou para corrigir o défice de capacidade e de autoridade política na Administração Interna, mas o regalo para os analistas estava mesmo na entrada de Silvério Regalado. O novo secretário de estado da Administração Local é mais um homem do aparelho do PSD de Aveiro, a quem o advogado Luís Montenegro terá batido à porta na sua qualidade de sócio e angariador de clientes do seu escritório de advocacia. Uns 200 mil euros de ajuste direto ou avenças, seja o que for, entregues pela câmara de Vagos não será um crime. Mas é, no mínimo, pouco ético se a entrada de Regalado cheirar a contrapartida, vagamente que seja. Um regalo, afinal, que não está ao alcance de um advogado que esteja fora da política. Não deixa de ser também um daqueles exemplos de escola no catálogo do ‘são todos iguais’ ou ‘estão todos feitos uns com os outros’. A vulnerabilidade política em que Montenegro se coloca abre todo o caminho para que a oposição lhe atribua um velho vício clientelar e exija explicações. Sobretudo num momento em que anuncia medidas contra a corrupção e outros crimes autárquicos. "
Editorial de Eduardo Dâmaso no Correio da Manhã"
https://www.cmjornal.pt/opiniao/colunistas/eduardo-damaso