A estrondosa e
totalmente inesperada vitória do PVV, o partido de Geert Wilders, surpreendeu mesmo aqueles que
por ele, como pessoa, sentem simpatia, mas não subscrevem os princípios que
defende.
Fora da Holanda
parece ignorar-se, ou é conveniente ignorar, que em 2004 foi no Paquistão
lançada sobre ele uma fatwa, idêntica à lançada em 1988 sobre Salman
Rushdie, o que segundo a sharia permite a qualquer mussulmano agredi-lo
ou liquidá-lo.
É assim que há
dezanove anos, na Holanda ou no estrangeiro, Geert Wilders encontra-se dia e noite
sob a proteção de seguranças pagos pelo governo, o que socialmente o isola e
limita na vida particular. Na ante-câmara da sua sala de trabalho estão sempre
quatro ou cinco seguranças. Viaja num automóvel blindado e não tem chave do
próprio apartamento, pois só os seguranças a guardam.
O inesperado êxito
do PVV, o seu partido, trará alguma mudança no campo social, mas diz quem o
conhece bem que, autoritário por temperamento, vai ter dificuldade em conciliar
a sua maneira de agir, que agora requer que se mostre capaz de alianças e
concessões.
Nos dias, semanas
ou meses a vir, em conformidade com o clássico poldermodel, (o modelo
polder) que leva a intermináveis discussões sobre ajustamentos, combinações,
exigências e desejos das partes em questão, o resultado das eleições não virá
depressa. Aliás, creio pouco provável que Wilders venha a ser eleito
primeiro-ministro, e Dilan Yesilgoz do VVD mostra-se demasiado vaidosa e
inconstante para o cargo, de modo que suponho que o lugar irá para alguém que pouca simpatia me desperta, o vaidoso Frans Timmermans, ex-comissário da
UE que, aliado aos “verdes da esquerda”, satisfaz as exigências dos fanáticos
do clima, das verduras e do mais que contribui para ar limpo e felicidade urbi
et orbi.
Todavia, se pasmei
e me diverti com a vitória do mete-medo, em parte nenhuma dei conta de que se
atentasse nos motivos que poderiam estar, e muito provavelmente estão, na
origem do seu êxito.
Acontece que as
camadas mandantes, cheias de boas intenções no papel, estão-se nas tintas para
as necessidades, desejos e sonhos daqueles que, num momento de distração em que
se lhe escapou a língua para a verdade, a inefável ex-primeira dama dos EUA, Hillary
Clinton, disse que não são (não somos, pois aí me incluo) mais do que uma
cambada de deploráveis.
Assim acontece que
na sociedade do extremamente rico, e bem governado país que é a minha segunda
pátria, existem situações de que não se dá imediatamente conta, mas que a médio
ou longo prazo têm inesperadas consequências.
A agricultura e a
pecuária são exemplares na técnica e na produção, mas mesmo com boa-vontade não
conseguem satisfazer todas as exigências legais, não só as do país mas também
as da UE, concebidas por “especialistas” que compreendem muito de gastronomia,
mas de agricultura, pesca e pecuária se
contentam com uma vaga ideia e em concordância legislam.
Cansados de
esperar que os oiçam, fizeram-se ouvir em grandes manifestações e fundaram o
BBB (Movimento dos Agricultores e Cidadãos) partido que nos princípios e
exigências não difere do PVV de Wilders e a ele se alia.
Tudo isso chegaria
para desassossego, mas que dizer dos escândalos, sobretudo o da Autoridade
Tributária, que em 2011, sem aviso, e baseando-se na suspeita de que fraudavam,
cortou de imediato a cerca de 44.000 cidadãos os subsídios e abonos. Que o
geral desses nascera no estrangeiro ou tinha um “nome bizarro” sobrou como
motivo, mas que onze anos depois apenas alguns tenham recebido os 30.000 euros
de compensação, leva a recordar que mesmo na Holanda e de facto “todos os
homens são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros”.
Já chegaria, e ao
cidadão holandês, nascido na Frísia ou em Marrocos, não faltam razões de desagrado.
Ele são leis para o isolamento das paredes, para deixar o gás, para pôr painéis
solares, e algumas que de tal modo complicam o dia-a-dia, que milagre é que
ainda não tenha surgido um verdadeiro partido da extrema-direita.
Assim, por exemplo,
há localidades onde se construiram novos bairros, porque é dramática a crise da
habitação. Só que as casas continuam deshabitadas, ou porque não satisfazem as
exigências “verdes” do país e da UE, ou porque – incrivel mas verdade – a
companhia de electricidade da zona não tem capacidade suficiente para atender a
todos.
Razões para dar a
Geert Wilders uma tão espectacular vitória têm os holandeses de sobra.
Interessante é saber o que faria se fosse primeiro-ministro, mas os que
realmente seguram os cordéis dos títeres só por milagre deixarão que isso
aconteça. O modelo polder nunca falha.
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aqui: https://observador.pt/opiniao/a-vitoria-do-papao/