(Hoje no OBSERVADOR)
Ouvir-me dizer do resultado das próximas eleições que tanto se me dá como se me deu, é porta aberta para os graciosos da piada fácil, pois com um pé na cova, seria de esperar ver-me mais ocupado com as perspectivas do Além, do que pelas consequências de um festival, várias vezes repetido ao longo de quase meio século, e cujos resultados só na aparência causam surpresa, pois vençam os da esquerda, da direita, do centro, de cima, de baixo ou do lado, e as fanfarras toquem marchas vitoriosas, quando o barulho acalma e a poeira assenta, repara-se então que foi para inglês ver.
Pode, eventualmente, dar-se uma mudança dos robertos encarregados do espectáculo, mas os cordelinhos continuam nas mãos que os manejam e de facto mandam, de forma que com eleições ou sem elas, não há razão para num futuro próximo esperar sérias mudanças ou reais melhorias.
Contudo, talvez não seja descabido assinalar, que se na essência pouco mudou, alguma esperança há: já não temos rei, somos uma república democrática, estamos longe do tempo em que Eça de Queirós vociferava n’As Farpas que “as eleições fazem-se pela compra da consciência a dinheiro, ou pela promessa, pela lisonja, pelo dolo, pela mentira. Não há integridade nem limpeza de carácter que resista à influência degradante e sordidíssima da uma campanha eleitoral... A campanha eleitoral é uma navegação pestilencial pelo cano de esgoto de todas as imundícies da conveniência, do egoísmo e da ambição.”
Convenhamos, pois é facto: melhoraram as maneiras, as condições e o sistema, é menos agreste o vocabulário, embora isso não impeça o que é de sempre e de esperar: que os punhais continuem escondidos na manga à espera da boa ocasião, e se vigie o andamento do concorrente para que a rasteira não falhe. Assim tem sido como temos visto, ganhe beltrano ou sicano não haverá mudança na paisagem.
Pode dar-se o caso de que o Chega, com a sua massa de “desprezíveis”, cause no dia 30 um pequenino abalo, o que seria sem consequências de maior, pois os “democratas” sabem como proceder em situações dessas, jurando que todos os democratas são iguais, mas por vezes alguns calhem ser mais iguais dos que os outros. Demonstraram-no eles nas eleições de 2017 na Holanda, quando o PVV de Wilders foi o segundo partido, mas logo sujeito a um cordão sanitário, e por comum acordo dos “justos” banido de governar, relegando a uma segunda classe os 1.372.941 cidadãos que nele tinham votado.
Que isso tenha sido possível na Holanda, com uma tradição secular de democracia, não causou abalos só resmungos. De modo que milagre de Fátima, ou uma rebeldia das “massas” as leve a votar no Chega, dando-lhe também um improvável segundo lugar, nada mudará. Tanto mais que embora os dados pareçam ser lançados em público, o jogo faz-se de facto e sempre nos bastidores.
Teremos então muito do mesmo, e eu, cansado da monotonia e possuindo alguma experiência na escrita de romances, além de um razoável conhecimento da História pátria, não resisto à tentação de fingir de Bandarra e arriscar umas profecias do que pode vir a acontecer.
Começando pelos astros, e com suficiente margem para o rigor das datas, a impressão é a de que há um tempo para cá são interessantes as repetições. De 1910 a 1930 tivemos a gripe espanhola, gigantesca catástrofe; a implantação da República, um desastre; logo depois a tragédia da Grande Guerra, e quase em simultâneo o milagre do Sol em Fátima, seguido anos mais tarde pela chegada de Salazar, o salvador da Pátria.
Agora, desde o começo de 2020 temos o Covid-19 e as suas variantes, se bem que o número de mortos felizmente nem longe se compare ao da Pneumónica. Também é improvável uma mudança do regime, que aliás para ninguém seria bem-vinda. Uma guerra mundial pode vir a qualquer momento, se assim desejarem os que têm poder para a declarar. De modo que no aguardo de tempos mais serenos resta-nos a esperança de vermos repetir o milagre do Sol a rodar no alto, anunciando à Lusitânia a iminência da chegada do salvador providencial.
Que um candidato à função já por aí anda sussurram-no alguns, e até o próprio parece tomar gosto na fantasia. Embora a minha ideia não conte, e certo de que no Céu não me ouvem, quero todavia deixar dito que se mantém nula a minha simpatia por uniformes à frente dos destinos da pátria.
Essa nobre tarefa é mais avisadamente confiada a paisanos com algum traquejo na arte de governar, mesmo quando são malabaristas e certificados troca-tintas.