domingo, janeiro 16

O dom da mãe

 


Pobre do que não sonha, pobre e infeliz o que teima em ter daqueles sonhos que só se realizam com a intervenção do sobrenatural.

Tarefa bicuda, por serem diversas as religiões, e cada uma à sua maneira tornar difícil a realização do pedido, exigindo rituais complicados, além de nem a todos ser dado entendimento bastante. Daí que muitos, assustados com exigências que são incapazes de cumprir, escolhem o caminho fácil e consultam videntes que os guiem nos passos a dar.

Aldo Mata, sessenta e seis anos,  solteirão, homem com bastante de seu. Amigos tem dois do tempo da tropa, mas não são do peito. Únicos parentes são uns primos em terceiro grau numa aldeola da Gardunha, gente que uma vez por ano, no Natal, desce a Lisboa a visitá-lo, com o argumento de que se devem manter os laços.

Mais sincero seria confessar que é a ver se lhe despertam simpatia pelo Kevin, puto sem jeito e desses que vivem com o telemóvel a modos de prótese. Por aí não chegará a herdar, mas alguma esperança resta, pois embora seja segredo seu, o “tio” Aldo acalenta o sonho de que um dia algo invulgar o torne num desses famosos que vê na televisão.

Melhor teria ele feito se o não contasse, mas a dois dias do Natal foi supreendido pela visita da prima Luísa e do Kevin, a anunciar-lhe à queima-roupa que vinha pedir ajuda, porque o Dino voltara para a Suíça com a puta, deixando-os com a roupa do corpo e sem vintém.

Noutra altura teria reagido com frieza, mas inexplicavelmente sentiu-se obrigado a ajudar, ia ser Natal, não tinha coragem de os despedir. Ficassem e depois se veria.

Para ele foi uma estranha Consoada, e está para compreender o que o levou a confessar o seu segredo. O caso é que ainda mal tinha aberto a boca, já a prima o encarava como se os olhos o furassem, e a gritar: - Eu sabia que vai ser famoso! Tenho o dom da minha mãe!