“Boris tinha perdido uns milhares de florins, eu perdi mais um sonho, mas esse transtorno comum provocou em nós uma corrente de simpatia que se foi fortalecendo com o tempo.
E assim, cada vez que me acontecia passar por Rotterdam, criei o hábito de o visitar, fascinado pela extraordinária amálgama de negócios que o ocupavam e entre os quais as máquinas de diversão pareciam não ser mais que uma parte diminuta que ocupava dois aprendizes numa garagem.
O resto era como nos romances: de uma casinhola de madeira no terreno das traseiras da casa, Boris traficava, manipulava, arranjava, alugava, vendia, ria às gargalhadas de tantos «anjinhos» que havia no mundo – entre os quais ele também de bom gosto se incluía – telefonava, gritava com a mulher, bebia litros de chá. Sem anúncio nem cortesias de despedida, também era capaz de num repente saltar para a carrinha e sem dar satisfações desaparecer por dias ou semanas.
O seu fraco eram os animais. Mas nada de cães, gatos ou bicharada miúda. Só o contentavam os grandes e por isso, no anexo que ligava a casa à garagem, tinha construído um verdadeiro jardim zoológico clandestino com jaulas em que eu, com surpresa e alguma preocupação, um dia descobri um leão de meio ano, uma hiena, uma onça, jibóias, macacos vários. À solta, preso a uma corrente que qualquer criança quebraria, deambulava o seu favorito, um urso castanho que da primeira vez que o vi agachado a um canto quase me matou de susto, porque a minha miopia o confundira com um inofensivo monte de trapos.
Falando-lhe em russo e abraçado a ele a ensaiar passos de dança cada vez que passava no anexo, Boris espalhava um forte odor a urso, que só com o tempo e muita simpatia era possível aceitar."
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in La Coca Quetzal 2011