Entre os meus conhecidos um há que, faz tempo, decidiu ser eu a pessoa indicada sobre quem despejar - despejar é o termo adequado - uma enxurrada de memórias, explicando que embora lhe leve quase trinta anos e tenha visto mais mundo, talvez pudesse aproveitar certas das suas ocorrências para um romance.
- Tive casos - sussurra ele, confidencial. – Quem me vê não diria, mas tive casos!... E tenho visto muita coisa. As pessoas costumam dizer, a minha vida dava um livro, mas eu, se tivesse jeito e tempo para a escrita… Infelizmente…!
Como quer ser prestável, e porque de certeza o tempo me sobra mas nem sempre estarei inspirado – como o saberá? – insiste em fazer confidências que, na sua ideia, me poderão ajudar a moldar um personagem ou a cerzir uma intriga.
O tempo passa, mas finalmente chega a altura em que, sem rodeios, volta ao assunto:
- Então? Fez alguma coisa com aquele caso da Anita?
- A Anita?
- Não se recorda?
- Desculpe, não lembro.
- Julguei… E como tinha dito que era interessante…
Acende outro cigarro e, esperançado numa reviravolta, confessa que até já tinha contado à Anita que um dia destes era capaz de se ver num romance.