São um
casalinho simpático, têm ambos vinte e dois anos. Gentis, bem educados, atenciosos,
carinhosos, os pais dela mandaram que viessem de visita à maneira antiga: por amizade e respeito, mas também porque ambos miúdos
da cidade, pouco mais sabendo da província e do campo do que o que vêem na televisão, alguma
coisa aprenderiam com uma ida aos confins do Nordeste transmontano.
Para o
caso pouco interessa se aprenderam ou não, mas anotar que estávamos sentados à
conversa e de repente ambos tiveram um sobressalto, ela tapou os ouvidos,
olhavam espantados em redor a procurar donde viria aquele barulho de carrilhão.
Quando
o relógio bateu a última pancada do meio-dia ainda me olhavam surpresos, esperando que
explicasse, e ficaram de boca aberta. Nunca tinham ouvido um relógio de sala, fê-los
pasmar que não tivesse baterias, que todas as semanas fosse preciso dar-lhe
corda com uma espécie de chave porque se não parava. Também acharam que era uma
estranha trabalheira e perda de tempo.
Contei-lhes
que o meu avô paterno o comprara no Porto em 1893, funciona desde então sem avaria,
e só muito de longe a longe precisa de umas gotas óleo na engrenagem.
Na expressão
com que ambos me olhavam lia-se descrença, pasmo, uma ponta de malícia e
ironia, mas sobretudo a condescendência que nós, os idosos, umas vezes fingimos
não ver, e noutras nos valemos de Cristo, repetindo: ”Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem.”
Resta
saber se jamais aprenderão.