Saber
ouvir confidências é uma qualidade que alguns parecem ter de nascença, mas para
aqueles que, dados a um excesso de simpatia, tendem de imediato a
identificar-se com o narrador, torna-se por vezes doloroso manter um aspecto
que demonstre genuíno interesse e ao mesmo tempo esconda até que ponto o
sofrimento alheio os afecta ou obriga a calar.
Tal como
o conheço, bem sucedido na vida, seguro de si, dado a uma certa frieza, seria ele
o último de quem esperava a confidência, que além de me apanhar surpresa veio perturbar
as minhas recordações.
Nasceu em
família abastada, com três irmãs, dois irmãos, ele o do meio, e por ser de
todos o mais sensível o mais chegado à mãe, que também o protegia da violência
do pai, furioso por ver naquele rebento todo o seu contrário. Essa protecção
viria a terminar de maneira dramática uma tarde dos seus quinze anos, num
momento em que ele, talvez mais do que nunca se sentia acarinhado, próximo da
mãe, e lhe confiava o sonho de estudar Medicina, a ouviu dizer que os seus
filhos, todos os seis, eram a grande desilusão da sua vida. Que não perguntasse
porquê, pois nunca lho diria.
Tinha
hesitado antes de mo pedir, mas com os pais agora falecidos poderia eu, que era
da mesma geração e os conhecera bem, dar-lhe alguma pista sobre aquela atitude
da mãe?
Escondi
mal que me apanhava desprevenido, teve ele a elegância de fingir que não via a
minha confusão e se dava por satisfeito com os lugares-comuns que debitei.
Mas com
que palavras e que cara poderia eu contar-lhe a história da miúda mal saída da
adolescência, linda como os amores, inteligente, sensível, delicada, entregue pelos
pais a um cinquentão brutamontes para
saldo duma penhora? Que cores deveria usar para fazer o retrato do alarve que o
gerara, que quando o felicitavam porque de novo ia ser pai respondia às
gargalhadas: “Um homem deve saber montar, a mulher só tem de ser boa égua”?
O
espírito de sacrifício da jovem que aceitou deixar-se enterrar viva, que a vida
inteira sofreu a bruteza do garanhão e, sem revolta, conseguiu desempenhar até
ao fim o papel a que a tinham condenado, certamente daria a trama de um
romance. Mas do mesmo modo que há promessas que se cumprem e segredos que se
guardam, também há histórias que não se revelam, fosse ele apenas pela
admiração que nos causa o espírito de sacrifício com que algumas almas
enfrentam a adversidade, o silêncio a que se condenam até à morte, poupando assim
aos que lhes são queridos o horror do seu inferno.