Lá caí pela enésima vez na ratoeira dos ditirambos, dos louros, das hipérboles, e
talvez também, por que não confessá-lo, para ver se ali finalmente aprenderia a
receita que procuro desde que comecei a escrever ficção.
Ao
folheá-lo na livraria já me corria água na boca: “Um livro de sonho”; “Um livro
sofisticado, urticante, dramático”; “o autor tem um olfacto indiscutível para
captar aquilo a que os alemães chamam zeitgeist; “nunca ninguém foi tão
longe na representação do real”; “é um autor de génio.”
Nas
quase trezentas páginas há um pouco de tudo, não vá o leitor sentir-se lesado
por não ver lá a sua tara, o seu vício, a sua estupidez, os seus sonhos de
adolescente débil mental, a pedofilia do cinquentão, o exotismo nipónico, os
problemas do camembert, o gosto da vodca, a comparação das qualidades da
espingarda Swarovski DS5 com as da Steyr Mannlicher, o que sente ou não depois de engolir certas drogas,
e também ainda os problemas muito actuais do aluguer de apartamentos. Só? Acha
pouco? Claro que seria pouco, mas logo depois e à mistura vêm as orgias chiques
em casas de sonho, onde esplêndidas e esplendorosas mulheres sempre ricas,
sempre jovens e num cio eterno, copulam com mastins, corpulentos bulldogs ejaculam
na garganta das ditas, enquanto em redor é um não findar de enrabanços, o todo
embrulhado em aflições psíquicas, idas ao supermercado, ao psiquiatra, longos passeios
em bosques, a problemática da criação de vacas…
O
estilo, a construção, o vocabulário, o propósito, não desmereceriam de um
adolescente transtornado, mas é erro meu, talvez até uma ponta de inveja,
porque o autor continua a ser “um valor seguro, porventura um dos pouquíssimos
representantes daquilo a que outrora chamávamos literatura”.