(Clique)
Você escreve cartas? Um ou outro excêntrico talvez ainda use esse meio antigo de comunicação e pegue na caneta ou bata as teclas da máquina de escrever, mas quem se preza desdenha de velharias, acompanha o progresso. Postais? Só mesmo os reformados ainda os mandam à vizinha, como prova de que estão a gozar o sol no Algarve. E a uma adolescente ouvi eu que perguntava à mãe: - O que é um postal?
O fax está nas
últimas e o telex pertence aos tempos antigos do telégrafo e da locomotiva a
vapor, hoje comunicamos sem parar e sem falha, quase à velocidade da luz. Ele é
internet e Twitter, telemóvel, e-mail, SMS,
Facebook, Instagram, mais umas
quantas possibilidades de que oiço falar, mas desconheço. E porque isso nos
parece escasso inventamos planetas sociais, perfis, segundas e terceiras vidas,
de maneira que, comparado ao virtual, o mundo da realidade se torna monótono e
insosso, até no sexo fica a perder.
Porque este em que
agora vivemos é um de agitação, nervos e muito gesticular, um mundo onde se
conversa ao ritmo de rajadas de metralhadora. Leio que um grupo de cientistas
andou a medir o fenómeno, concluindo que nos últimos dez anos a velocidade da
fala nos países mais desenvolvidos aumentou vinte e sete porcento. Não será
trinta? Talvez trinta e cinco? Pena é que não tenham também medido o riso, pois
estou certo de que no mesmo período a quantidade e o volume do riso subiram,
hoje falamos de preferência às gargalhadas, imitando a alegria enlatada da
televisão. Ruído em vez de sílabas.
Contactamo-nos,
febris, através de novas e sofisticadas formas, convencidos de que o progresso,
a felicidade e o bem-estar disso dependem. Paradoxalmente, vai aumentando o
nosso isolamento, a ameaça da solidão já não se limita aos idosos, ataca também
os crentes que dia e noite se agarram ao Facebook, ao Instagram, ansiosos que
os vejam, os conheçam, lhes digam que existem, os favoreçam com uma migalha de
aplauso. E podemos imaginar-nos ligados ao mundo inteiro, mas para o mundo já
não somos indivíduos, apenas avatares a que um clique dá vida e o clique
seguinte descarta.
Coincidência.
Ocupado a rever esta prosa, recebo um SMS do vizinho do lado anunciando que vai
viajar e, como de costume, não aconteça algum percalço, deixará a chave de casa
na nossa caixa do correio. Tocar à campainha e dar o recado? Seria simples, mas
a comunicação hoje é vício, é febre, parece um ataque que nos dá. Entre o ecrã
do telemóvel e vermo-nos cara a cara, escolhemos o primeiro.
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Publicado na DOMINGO CM