Conhecemo-nos desde a universidade, nunca fomos íntimos, mas
encontramo-nos de longe a longe e, duma maneira ou doutra, guardamos um
sentimento de camaradagem.
À moda antiga, mantemos o hábito de escrever cartas, levando ele a melhor na
beleza da caligrafia. Porém, como se padecesse de falhas da memória ou comece a
ficar gagá, ultimamente as suas missivas são quase sempre idênticas, e
resumem-se com poucas variantes a um texto assim: "A minha vida vai indo
calma, na forma do costume. Saio pouco, continuo a pintar aguarelas. Também
tenho escrito umas coisas que deixo na gaveta, porque não me atrevo a publicá-las.
Gostaria que um dia lhes desses uma vista de olhos, pois sinto falta do teu
senso crítico. Manda dizer quando nos voltaremos a encontrar."
Mas quando nos encontramos ele parece esquecer o que escreveu e pintou, desinteressa-se do meu senso crítico, a sua conversa ronda em torno do sem-fim de achaques e incómodos que o afligem.
Mas quando nos encontramos ele parece esquecer o que escreveu e pintou, desinteressa-se do meu senso crítico, a sua conversa ronda em torno do sem-fim de achaques e incómodos que o afligem.
De modo que a nossa amizade ganhou um toque surrealista:
parece viva na ausência, mas assim que nos vemos, só à custa de muito boca a
boca consigo eu evitar que ela faleça.
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Publicado no CM