O Amstel é um rio modesto,
há canais mais largos, mas antes de entrar na cidade faz ali curva, dando uma
impressão ilusória de grandeza. Na margem, a esplanada do restaurante é local
favorito de gente próspera, trintões agarrados à lembrança da juventude
passada, raparigas muito capazes em fintar o tempo. Janta-se bem.
Mediana na estatura,
decote generoso, cigarro entre os dedos, a mulata entrou sozinha, espalhafatosa
no modo e na minissaia branca, onde em maiúsculas desproporcionadas se lia: STOP
ANIMAL ABUSE.
Passou pela minha mesa,
fez vaivém por entre os grupos, falando a um e a outro, que abanavam a cabeça e
lhe sorriam de circunstância. As mulheres, todas mais altas, mais jovens, mais
bonitas, voltavam-lhe as costas, ou encaravam-na como se tivessem dificuldade
em enxergar.
Agarrou um quarentão pelo
braço. Ele ouviu-a, sorriu, e com um encolher de ombros de desculpa foi
adiante. Depois, sentada a uma mesa próxima, demorou até que lhe trouxessem um
copo de vinho branco, que foi bebericando com vagares e um rosto de desespero.
Levantou-se, deixando o copo meio, e o empregado disse que estava bem, não
precisava pagar, não tinha importância, deu-lhe as boas-noites.
Vi-a depois, única
caminhante na berma da estrada, as maiúsculas da bizarra minissaia gritando ao
mundo que não se deve maltratar os animais.
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PS.
Este texto foi publicado no TC em 9 de Julho de 2010. A mulata pede agora
esmola nas ruas de Amsterdam e, umas vezes na saia, nas calças ou na blusa,
continua a anunciar: Stop Animal Abuse.