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Devia censurar, mas não posso: enternece-me a senhora que espatifou o Maserati, quer outro, e já gastou 1 milhão em carros. Ternura igual sinto pelos emigrantes em bólides de milionário, que me ultrapassam a caminho da Suíça. Idem para com a legião de compatriotas que, custe o que custar e doa a quem doer, realizarão o sonho de afagar o traseiro num BMW, Audi ou Mercedes.
Esse carinho pelo síndrome nacional das aparências,
acordou-mo na juventude este texto de
Oliveira Martins:
«O que tornava da Índia rico passeava na Rua
Nova num estado oriental. Precediam-no dois lacaios, seguidos por um terceiro
com o chapéu de plumas e fivelas de brilhantes, um quarto com o capote e, em
roda da mula, preciosa de jaezes e luzidia, um quinto segurava a rédea, um sexto
ia ao estribo, amparando o sapato de seda, um sétimo levava a escova para
afastar as moscas e varrer o pó, um oitavo a toalha de linho para limpar o suor
à besta, à porta da igreja,
enquanto o amo ouvia missa. Eram ao todo
oito escravos pretos, vestidos de fardas de cores, agaloadas de ouro ou
prata.»
À senhora do Maserati agradeço a prova que dá, de que em
quinhentos anos ainda não houve poder capaz de nos fazer mudar.
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Publicado ontem no CM.