(Clique)
Bons tempos, quando em 1965 o jovem Francisco
Pinto Balsemão me convidou para escrever no Diário
Popular.
Porque a Censura era o que se sabe, não
havia maneira de publicar o que quer que fosse que cheirasse a crítica do
regime. O subterfúgio que encontrei para contornar esse obstáculo foi a de
escrever ditirambos sobre os vários aspectos da vida na Holanda, o que os
censores devem ter considerado inócuo ou folclórico, pois nunca me cortaram uma
palavra.
Elogiava a paisagem e o sistema escolar, os
moinhos, a limpeza das ruas, a cortesia dos cidadãos, o funcionamento da
burocracia, o civismo, a disciplina, com a esperança de dar aos leitores a
oportunidade de fazer comparações. Duvido que tenha alcançado esse fim e, ao
contrário do que esperava, pró ou contra nunca os meus artigos mereceram uma
das "Cartas à Redacção".
Até ao dia em que, escrevendo sobre os
benefícios sociais e o montante dos subsídios de desemprego, anotei que do
mesmo modo de quem trabalhava, os desempregados recebiam também o décimo
terceiro mês e tinham direito a subsídios de férias.
Caiu o Carmo e a Trindade nas "Cartas
à Redacção". Se eu não tinha vergonha em escrever tanta mentira. Se
julgava que os portugueses eram burros e iam engolir as minhas patranhas. O que
eu merecia era um pontapé no bom sítio, inventando benefícios míticos no
estrangeiro para apoucar a terra onde nascera.
Houve então mais do mesmo, e em 1969 achei
que chegava, pus fim à colaboração.
De meados de 1975 até 1978 escrevi para o Expresso. O país tinha mudado, o
ambiente era bem outro, grande a esperança, mas porque há em mim demasiada
curiosidade e algo que me leva a ir contracorrente, dos cerca de quarenta
artigos, um pouco menos de metade não foi publicada, e explicações também não
ouvi.
Convida-me agora o Correio da Manhã para escrever uma crónica semanal, e o sentimento
que me toma é o de que acordo de uma longa hibernação.