quinta-feira, maio 14

O predador

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A voz é suave, quase tímida, a aparência cuidada, calça fino cabedal, veste com elegância, a verdadeira, a que só dá nas vistas aos iniciados que distinguem os sinais.
Não tem mulher nem se lhe conhece amante ou inclinação grega, no particular dos afectos há nele algo de monástico e, novos ou velhos, machos ou fêmeas, a todos mostra o mesmo indefinível sorriso, um esgar em que lábios e olhos parecem não ser do mesmo rosto, pois enquanto os primeiros ligeiramente se movem, a fixidez do olhar dá calafrios.
É rico, muito rico, daquela espécie que sabe o valor do dinheiro, porque o primeiro que ganhou fê-lo a pulso, não se poupando humilhações ou sofrimentos, indiferente a canseiras e perigos, pronto a esquecer derrotas, capaz de vergar como o clássico bambu.
Está como quer, chegou aonde sonhava, mas o gosto de vencer, dominar, tomou-lhe as entranhas, ai de quem possui o que ele deseja: é então tigre que cheira sangue.
No seu caminho há mortos e feridos, alguns reduziu-os ele à condição de zombies, uns quantos vivem no pânico de que um descuido ou acaso os ponha em campos opostos.
Estranhamente, também tem o seu tendão de Aquiles. Revelou-mo um dia em conversa, não se dando conta de que o fazia ou, o mais certo, e para ele perigoso, julgando-me incapaz de tirar a conclusão.