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O recanto que anexei, e onde me agrada
escrever, é a divisão em parte subterrânea onde antigamente ficava a adega.
Tenho à minha volta os armários que foram da loiça, a cantareira, o velho
escano. A cama da minha adolescência faz de sofá e nos dias de canícula convida
à sesta.
Visita que aqui chegue nada sente, mas, mau grado o arranjo, para
mim tem o cheiro a vinho e salmoura, vejo trigo por uma
frincha da tulha, alqueires de madeira, aranhões, presuntos a secar nas traves,
panelas ferrugentas, sachos, cordas, cajados, varas da azeitona, almotolias,
cântaros de folha.
Os ruídos no andar de cima chegam abafados,
indistintos, mas por vezes transforma-os a memória e oiço vozes da infância,
aqui ao lado o estropear das mulas no chão da estrebaria, o barulho que fazem a
roer centeio.
Como agora, já então nascia erva ao rés da
janela gradeada, eu nos dias de chuva imaginava ali Amazónias com piranhas e
onças, crocodilos, macacos, aves de rapina, plantas de nada cresciam à altura de
palmeiras. Mas quando assim me deixava embalar, vinha sempre alguém puxar-me
pelo braço, "Sai daí, que te molhas!", e eu afastava-me, tristonho,
olhando para trás, magoado da indiferença com que faziam desaparecer o meu
sonho.