Queixa-se a família, queixam-se vizinhos, amigos, conhecidos e desconhecidos, de que não temos tempo para convívios, se vemos alguém é sempre de longe a longe e na pressa de visita de médico.
A explicação reza assim: isto aqui na aldeia é vida e casa de dois, sem criada nem assistente da limpeza (técnica doméstica, como já ouvi), quatro gatos e três cães, o que, junto às andanças – o supermercado, a farmácia e o resto ficam a vinte e quatro quilómetros para sul ou para norte – mais o corrente do dia-a-dia, esgota o tempo e poucas abertas deixa para descanso.
Essa era a situação até à passada quarta-feira, a qual, mau grado as poucas folgas e muitas urgências, avaliada agora nos parece de grande paz.
Quarta-feira, num ritual de anos, almoçámos pois em Moncorvo com a nossa jovem e amiga Isabel, veterinária do município, que a dado momento, como que a justificar o seu ar sombrio, contou que dias antes uma alma cristã tinha abandonado num silvedo uma ninhada de cachorros recém-nascidos, e outra alma, mais cristã que a anterior, se dera ao cuidado de levá-los para o canil.
Dos sete entre a vida e a morte conseguira ela colocar quatro em casa de gente boa, mas os três restantes teriam de ser abatidos, porque das finanças da Câmara, que mal dão para os necessitados, pouco sobra para cães.
Foi assim que num impulso, sem aguardar a boa disposição que sempre vem com a sobremesa e o café, dissemos à nossa amiga que ficávamos com eles.
Agradeceu ela, mas avisando que, com duas semanas de vida, dariam muito trabalho, sujariam tudo, não sabia se aguentaríamos, se nos aborrecessem podíamos devolvê-los.
É o devolves. Acto contínuo, munidos de biberões e latas de um leite especial, rumámos com eles para casa.
De facto quando saem do ninho borram tudo com a caganeira que primeiro lhes veio da fome e lhes causa agora a fartura. Cinco vezes se lhes dá o biberão, a horas certas, começando às seis da manhã, a última sessão à meia-noite. Depois de cada "refeição" há que limpar-lhes o focinho e o traseiro, pô-los no regaço, massajá-los como faria a mãe, deixar que chupem um dedo para que não sintam em demasia a falta de teta. Chupam, satisfeitos, e mordem com dentes afiados que nem serrilhas, para logo depois caírem no sono dos bem-aventurados. Uma botija de água quente no ninho faz as vezes de ventre maternal.
Multiplicado por três leva isso quase uma hora. Que depois se multiplica por cinco. Fora o resto. E porque assim é, onde arranjar tempo para amigos, convivências e cortesias?
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