Aprendi alguma coisa, mas sei pouco, e por mais que me esforce não consigo realizar aquilo que tantos parecem alcançar com a facilidade e a presteza traduzidas pela expressão "com uma perna às costas".
Há por aí putos, ainda embrulhados nos cueiros da Literatura, que o ouvi-los dissertar sobre a profundeza dos seus personagens e o labirinto dos sentimentos que os empurram, me deixa em estado de prostração. Debalde me pergunto porque fizeram os outros generosamente complexos e me deixaram a mim num estupor de simplicidade que me atrapalha os dias e torna doentiamente invejoso. Porque eu queria ser assim! Queria saber falar dos amores e da morte, das raivas, dos ciúmes, dos desejos e loucuras naquele tom que é de fingido desprendimento mas, em simultâneo, deixa entrever como lhes são familiares as riquezas da Filosofia e os arcanos da Alma.
Invejo-lhes ainda, e sobretudo, a capacidade que possuem de criar imagem. Usar barba quando é eficiente ser barbudo; trazer a cara rapada, mas com bigode, se é essa a moda; calçar peúgas das que dão na vista aos fotógrafos; citar Agustina e recitar Sophia, trazer à conversa aquela conversa com Jorge de Sena.
Fosse eu como esses muitos, sabido e competente na apresentação, não me teria acontecido o estar ontem sozinho na única e deserta rua da nossa aldeia, à espera do correio, quando chegou um carro donde se apearam dois senhores trajados à cidade:
- Boas-tardes. Onde é que mora o escritor?
Atarantei-me, sorri, fiz os gestos vagos que os estranhos esperam do meu aspecto e idade. Então um deles, bondoso e alto, deitou-me a mão no ombro a confortar o meu visível acanhamento:
- Não se incomode. Perguntamos no café, que lá com certeza sabem.