domingo, fevereiro 6

Multa


Vejo-os por vezes no supermercado, cruzo com eles na rua, já tem acontecido estarmos no mesmo café. Elegante e atraente, sem ser bonita, há nela compostura, adivinha-se-lhe a melancolia no sorriso, no olhar, no modo hesitante como lhe toca o braço a pedir atenção. Ele, apressado, hostil, caminha à frente e raro a encara, quando se lhe dirige é com secura, a boca torcida de quem se aborrece.
Adivinha-se ali uma vida de desentendimentos e desavenças, horas más, trai solidão a maneira como ela empurra o carrinho e sorri ao bebé.
Agora sou eu a fantasiar: a criança poucos meses terá, por isso não deve ir longe o tempo em que se amavam, tinham sonhos, faziam projectos, caminhavam de braço dado, eram donos do mundo.
Que lhes terá acontecido? Que praga cai por vezes sobre os nossos sonhos? Será que quanto maior a ilusão mais pesada a multa?