sexta-feira, fevereiro 4

Nobrezas


Seria excessivo deitar o manto da caridade sobre a maluquice alheia. Não é preciso tanto. Ao fim e ao cabo para quase tudo há desculpa, defeitos todos temos, uma pitada de compreensão também ajuda. Mesmo assim, porém, basta às vezes um detalhe mínimo e lá se vão as boas intenções.
Casal burguês, idosos a aparentar juventude nos hábitos, no vestuário, nas paragens exóticas das suas férias, na vontade de se manterem saudáveis com a ajuda de verduras, yoga, natação e ginástica matinal. Têm assinatura para os concertos, para o teatro, vão aos museus, não perdem exposição nenhuma daquelas que o jornal diz que se devem visitar. De vez em quando lêem um livro. Muito de vez em quando, nostalgia dos anos 70 e da juventude perdida, arriscam uma discreta troca de pares.
Até aqui vulgar de Lineu, como se dizia antigamente, tudo do mais mediano, previsível, fácil de catalogar. Dá-se porém o caso de que a estes dois, que nem sequer sabem que existe um Almanach de Gotha, se lhes meteu na cabeça que têm sangue azul. Que são nobres. Melhores. Superiores.
Cavando genealogias encontraram na dela, em mil setecentos e tantos, uma bastarda de conde, na dele um remoto barão.
Um raio que os parta! Entre os exercícios de yoga e a ginástica matinal, ocupam-se agora a passar a esponja sobre três séculos de gerações de que se envergonham.