terça-feira, novembro 16

Momentos (5)


Porque a natureza humana em toda a parte é a mesma, acontecem cenas destas na Mongólia e em Moscovo, em São João da Madeira, Chicago, Pontevedra e Tabuaço, entre os beduínos e  os esquimós, na Patagónia e na Palestina. Dão-se de certeza também entre os chimpanzés, nossos parentes chegados. Chança. Arrotos de postas de pescada. Urgência de mostrar.

Último domingo. Restaurante modesto. O prato do dia são sete euros e meio,  para extravagâncias há polvo à lagareiro, vinte e cinco euros para dois, cabrito à angolana idem.
Sala cheia, aí à volta de cinquenta pessoas. Entram eles e dão nas vistas. Loira artificial, trinta e poucos, miudinha, sorriso largo, o peso do bebé e os tacões agulha a atrapalhar o andamento. O  avô atrás, frágil, melancólico. Ele fecha a marcha e quase todas cabeças se voltam. Mãos nos bolsos, quarentão, grandão, pesado no andar, melenas dum preto retinto de drogaria.
Pelo modo são gente de longe, mas a ele, minhoto, alentejano ou da costa, acho-lhe a aparência daqueles turcos que nos campeonatos levantam halteres de cento e cinquenta quilos. Será empreiteiro, homem da sucata, mestre de obras, capataz, mas de seguro não é tipo que tenha comprado o "2666" e ande a anunciar aos amigos que quando tiver tempo vai "atacar o Bolaño".
Sentaram-se duas mesas adiante, esqueço-os, a minha atenção vai para a lula grelhada que tenho no prato (€ 10).
De vez em quando o bebé choraminga, a mamã faz cri-cri-cri, o avô continua nas suas sombras, o gigante – as cabeças dos outros não lhe chegam aos ombros – consulta demoradamente a lista e, sem pedir opinião à companhia, encomenda febras grelhadas para três, batatas fritas e grelos.
Minutos depois a patroa, amiga de há muito, passa a atender outra mesa, detém-se sorridente um segundo e murmura-me ao ouvido:
- Já ganhei o dia! Aquele senhor quer que lhe abra uma garrafa de "Barca Velha" da colheita de 2000. Duzentos euros!

Dois dias depois o remoinho de pensamentos acalmou, mas a recordação do momento não passará tão cedo, como não esqueço as cenas que ouvi contar no tempo do Volfrâmio. Três pratos do dia e um "Barca Velha" de 2000!