Há mortes que nos chocam de tal modo que demora a poder aceitá-las. A de António Alçada Baptista é dessas.
A nossa amizade começou em Março de 1964, quando um amigo comum me fez prometer que o procuraria em Lisboa. Com a carinhosa espontaneidade que o caracterizava logo me fez entrar na intimidade de sua casa, e dos anos que se seguiram guardo afectuosas recordações.
Mantivemos a amizade, mas idade e a distância iriam diminuindo o contacto, a nossa correspondência conheceu grandes hiatos, na última carta que dele recebi repassava a tristeza do fim próximo.
Foram muitos os momentos de cumplicidade vividos, cada um de nós reconhecendo no outro a similitude de pontos de vista e modos de reagir à sociedade portuguesa. Ao António, observador privilegiado da realidade política e social, dos personagens e dos bastidores, devo muitas e interessantes revelações.
Dentre elas recordo esta: foi ele de visita ao Cardeal Cerejeira, de quem era íntimo e, na correspondência, afectuosamente o tratava por “Meu querido António.” Salazar tinha falecido no dia anterior e, como era de esperar a conversa recaiu sobre o ditador. Para surpresa e compreensível espanto do seu interlocutor, o Cardeal teve este desabafo: “O Presidente Salazar foi um homem de muitas qualidades. Mas virtudes? Nenhuma.”