Passava da meia-noite e ia-se deitar quando o telefonou tocou. Era o Guedes, o crítico, a dizer-lhe que tinha a impressão que a análise que estava a fazer do romance ia sair uma coisa excepcional. Sublime, aquela ideia do leitor que lê o que o personagem principal vai escrevendo, e a síntese das ideias de ambos. Francamente, era de génio.
- Estou agora a dar-lhe uns retoques. Analisei as muitas leituras possíveis, mas surge-me uma dificuldade e quero aclarar isso contigo. Quando escreves, não tenho aqui a página à mão, mas é mais ou menos a meio. Quando escreves que o lavrador parou com os bois a meia encosta, e olhou para a terra ferida, referes-te à Mãe? Quero dizer, ao símbolo universal?
- Eu?
- Sim. A não ser que queiras dizer...
- Não, não. Só me quis referir à terra, nem sequer pensei...
- Aí está! É que vocês escrevem em transe! As mais das vezes nem se dão conta!. E então somos exactamente nós, os críticos, que temos de desvendar as sendas tortuosas por onde o vosso pensamento involuntariamente e inconscientemente se...
- Há equívoco, Guedes! Palavra! Na minha ideia é mesmo só a terra, o chão.