Tive, mas há muito o perdi, esse sentimento de que o tempo não passa. O meu corre, voa, já é ontem quando o julgo amanhã, descubro-me quase centenário, surpreende-me que, como vizinhos irritados, cabeça e músculos deixem de se falar, desdenhando da sincronia que ainda há pouco os harmonizava.
Queixas não tenho, antes me diverte o espectáculo em que para mim próprio me tornei, e a que obrigado assisto, em simultâneo actor e público de mim mesmo, dando réplicas, negando o aplauso, por vezes a resmungar com o mau desempenho.
Uma
curiosidade me resta: quem será o régisseur ? Eu de certeza não sou.
Apenas forneço o palco, represento os papéis que já disse, e impaciento-me com
a repetição das cenas.