Recordo que foi há cerca de quarenta e tal anos quando mo disseram. Viajava nessa altura por Portugal na companhia de dois holandeses, e um deles, um dia ao pequeno-almoço no hotel, saca de um livro meu e, sorrindo, disse que a minha escrita lhe dava a impressão de que me dirigia pessoalmente ao leitor.
Sorri também, agradeci o que ele considerava um elogio, calei o meu desapontamento. Desde aí muitas vezes mo têm dito com igual intenção, e continuo a sorrir, a agradecer e a calar.
É que Escritor – sim, com maiúscula - e digno desse qualificativo, não "fala" com o leitor, nem lhe dá a ilusão de que se acham ambos em sintonia de emoções e pensamentos. Escritor de verdade, escritor de peso, voa alto, sabe de distâncias, confunde, assusta, passa diploma de ignorância a quem o lê.
É essa, jovem candidato à fama da escrita, a atitude certa para quem quer que digam um dia que os seus livros marcaram o século. Esqueça o trabalhinho, mande às favas a busca do valioso, do original, do verdadeiro, da sinceridade, da simplicidade, da gramática e da melodia. Não faça como eu. Confunda, amigo, irrite, seja sobranceiro. Nada de intimidades. Distinga-se pela arrogância, pelo modo como com o olhar lhes diz que são burros, nem por sonhos se atrevam a julgar que lhe chegam aos calcanhares ou "falam" consigo.