Por minha vontade não entraria na conversa, mas há aquela coisa das boas maneiras e a atenção que se deve a quem nos fala, etc, etc..
- O que é que pensa do Ó É?
Atordoou-me, não compreendi logo que ele, modernaço, se referia ao Orçamento do Estado, mas passada a confusão tive de desiludi-lo, e confessar que as finanças do país não são matéria em que me ache habilitado a opinar ou discutir.
Felizmente, com a autoridade que lhe dá o seu cargo de vereador e o ter sido gerente na Caixa, explicou-me em detalhe o que está errado em Portugal, as razões da preponderância chinesa, a manhosice de Erdogan, o que os nossos políticos deviam ter a coragem de fazer para evitar a bancarrota do Estado e a miséria do povo.
Ouvi-o acenando que sim, como faço em ocasiões dessas, e calei os meus comentários. Também porque ele, inconsequente, umas vezes jura que precisamos de um Salazar, noutras se diz ferrenho da esquerda, febre que mantém desde a juventude, e porque a falar verdade sempre me falta apetite para discussões do género.
Calei também os sentimentos que me tinham tomado dias atrás, quando uma troca de canais involuntariamente me fez assistir aos debates na Assembleia da República.
Nunca tinha presenciado e abriu-se-me a boca de pasmo. Obriguei-me a assistir para confirmar que o que via e ouvia não era episódico, não eram intervenções ou atitudes passageiras motivadas por qualquer discordância, mas uma mescla de calinadas, mentiras, raivas de teatro, manhosice, incompetência, baixeza.
Deixou-me doente, pesaroso pelos poucos que lá se sentam com a ideia que este país tem salvação. Parece não querer ter e vai-se afundando, mesmo quando o ajudam.
Com um sorriso amargo, veio-me à lembrança o que Eça no seu tempo sugeria para as colónias: talvez fosse mais sensato vendê-las antes que apodrecessem de todo.